sábado, 2 de junho de 2007

O TEMPO DAS GIESTAS - 2

Podemos evocar também João Camilo, entre tantos outros exemplos, que conheceu as masmorras fascistas por nove vezes, num total de 14 anos de prisão e que transmitiu um testemunho profundamente comovente sobre o comportamento dos comunistas na prisão. Estava-se em 1958, na sequência da vaga de prisões que atirou para as cadeias mais de uma centena de homens do Couço e cerca de meia centena de Montemor-o-Novo. Depois de barbaramente torturado, Farrica - assim se chamava o militante comunista que protagonizou esta história -, volta à cela, com o corpo amassado, todo ensanguentado. Pede para falar com João Camilo, a quem quer transmitir uma mensagem. "Se continuarem a bater-me assim - afirmou - eu morro. Mas informa o Partido que nem sequer conseguiram fazer-me despir o casaco!".

Esta mesma determinação animou Simão, que descobrimos ter sido funcionário clandestino do Partido, preso quando se preparava para viver com a sua amada a dura vida da clandestinidade e posteriormente enviado para o sinistro campo de concentração do Tarrafal, onde viria a ser assassinado.

Criado pelo Decreto 26539 de 23 de Abril de 1936, o campo de concentração do Tarrafal começou a funcionar no dia 29 de Outubro do mesmo ano com a entrada da primeira leva de 157 prisioneiros. Na segunda parte do livro e através das cartas que Simão dirige à sua amada, constatamos que efectivamente “Não houve em Portugal prisão onde o fascismo mais se manifestasse”. Os presos eram enviados para o Tarrafal para morrer e sofriam a má alimentação as torturas, os espancamentos, a falta de assistência médica, a “frigideira”, os trabalhos forçados.

Contudo e é outro registo que o livro nos transmite de forma impressiva, nem o desterro, nem as torturas abalaram a confiança dos presos no futuro, bem patente, aliás, numa das cartas: “Teresa, meu amor, o nosso amor vencerá. O futuro será de liberdade e de justiça. O mundo novo pelo qual lutam milhões de seres humanos e pelo qual continuo a lutar aqui, cercado de arame farpado e resistindo à morte, é um mundo de liberdade e de justiça, de amor e de harmonia. E com o mundo novo chegará o tempo de Maio dos trabalhadores, o tempo das searas a crescer na terra, o tempo dos silvos das fábricas anunciando a paz, o tempo de milhões de professores ensinando a milhões de alunos a fraternidade e a solidariedade, a amizade e a camaradagem. O nosso tempo, meu amor, o tempo puro e belo do nosso amor, o tempo das giestas.”

Ao escrever este romance, José Casanova, sem nunca ter estado nesse campo de morte lenta, correspondeu ao apelo formulado por Francisco Miguel há muitos anos, no prefácio ao livro “Tarrafal – testemunhos”: “…é necessário que alguém, que também tenha conhecido e sofrido o Tarrafal, descreva alguma coisa mais que, de algum modo, possa ser a continuação deste livro. Fazê-lo será contribuir para o esclarecimento político do nosso povo”.

1 comentário:

GR disse...

È um romance muito belo, muito humano. Em cada página podemos identificar alguém que conhecemos ou momentos que já passamos através das palavras, atitudes, desejos e até sonhos.
O mais comovente é, as cartas de Simão.
A angustia de saber que Teresa nada sabe do seu paradeiro (abruptamente separados) o sofrimento físico dele e de todos os seus camaradas. A amargura de Teresa. Como nós sentimos profundamente tanta amargura!
É importantíssimo este livro como um registo vivo dos dias mais negros de um Portugal fascista (hoje, muitos tentam que ele volte).
Discuti o livro com camaradas que estiveram presos, com mulheres que tiveram noites de solidão e tristes dias de visitas ao Aljube e a Peniche. Todos eles acrescentam outras “histórias”, outros sofrimentos e muitas lutas.
O romance enche-se de cor quando a juventude aparece.
A juventude tão bem descrita. Alegre, stressada, responsável e solidária. Amores, contrariedades, convívios, problemas sérios que hoje, tantos dos nossos jovens sofrem. Porém, mais uma vez o autor fala da Juventude com muito respeito e muito afecto. A família, os amigos, o trabalho, o nosso dia a dia. A vida dos militantes comunistas sempre disponíveis, preocupados com os outros, apreensivos com o futuro, daí a responsabilidade da luta diária.
“Teresa” será que teve oportunidade de ler este livro?
Reforcei o “orgulho” pelo meu Partido e por nele militar. O meu olhar é diferente quando falo com um jovem, sei que dentro dele há responsabilidade e muita convicção. Porque,

«A alegria de viver e de lutar vem-nos da profunda convicção de que é justa, empolgante e invencível a causa por que lutamos.» A. Cunhal

Ao José Casanova pelos momentos tão belos que me proporcionou com a leitura deste belo Romance,
A ti Pedro, pelas palavras que tens dedicado na apresentação deste livro, por os mais diversos lugares e também no blog.
Parabéns e o meu muito obrigado.
Um beijo e um ramo de Giestas,

GR