sábado, 30 de abril de 2005

Fala do Homem Nascido


Venho da terra assombrada,
do ventre da minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.
Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.

Trago boca para comer
e olhos para desejar.
Com licença, quero passar,
tenho pressa de viver.
Com licença! Com licença!
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.

..............
António Gedeão

Penso que continuas a ter razão.

sexta-feira, 29 de abril de 2005

Gota de Água


Eu, quando choro,
não choro eu.
Chora aquilo que nos homens
em todo tempo sofreu.
As lágrimas são as minhas
mas o choro não é meu.

António Gedeão

FOME


"Meninas da BR" cobram R$ 5 no Ceará
Entre as "meninas da BR", como são conhecidas as crianças e adolescentes que se prostituem nas estradas do Ceará, há desde viciadas em crack até menores que buscam dinheiro para sustentar a família. O abuso sexual dentro de casa é um dos fatores mais recorrentes na história dessas pessoas, assim como a miséria, a desestruturação familiar e o uso de drogas.
M.M., 15 anos, sai todas as noites para esperar clientes na pista da BR-116, em Fortaleza. A irmã, J.M., um ano mais nova, espera ao lado. No rosto de M., as marcas do vício em crack. "Comecei a vir para a BR há três meses. Foi por causa do meu padrasto. Ele se deita comigo desde que eu tinha 11 anos." Na rua, a menina disse que costuma usar camisinha, "menos com dois fregueses, um policial e um delegado, que são de confiança". O programa custa R$ 10, mas ela faz até por R$ 5, dependendo do movimento do dia. M. contou que estudou até a 5ª série e que seu maior sonho é voltar para a escola.
A única política pública que poderia ajudá-la é o Projeto Sentinela, programa do Ministério da Previdência e Assistência Social que começou a funcionar há um ano e meio. Pouco mais de 300 municípios em todo o país têm essa cobertura, com uma meta de atender 17.130 crianças que sofram qualquer tipo de violência, desde a sexual até maus tratos, um número muito abaixo da demanda estimada. Este ano, os gastos com o projeto foram de R$ 17,5 milhões.
Fortaleza é um dos municípios atendidos. Mas não existe na cidade uma instituição onde crianças e adolescentes do sexo feminino possam ser desintoxicadas das drogas, disse Renato Roseno, coordenador do Cedeca (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente) do Ceará. Há uma delegacia específica para atender meninas exploradas, a Dececa (Delegacia de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes), mas que fecha às 18h. Mesmo a Polícia Rodoviária Federal, caso flagrasse um agressor com uma criança, não teria para onde levá-la à noite.
"Há uma coisificação da criança, que não é tratada como cidadã", disse Angelo Motti, coordenador nacional do Projeto Sentinela. "A criança é vista como um adulto incompleto, um ser inferior. Não tem credibilidade diante dos adultos. É preciso haver uma maior consciência de proteção à criança para evitar novos casos, a família tem de começar a ouvi-la, a acreditar no que ela diz." "A sociedade pode se mobilizar e denunciar os casos de violência, o que já tem acontecido, mas é papel do poder público ter projetos permanentes de atendimento às vítimas, o que ainda é muito insuficiente", afirmou o coordenador do Cedeca.
Na mesma BR-116, a pouco mais de cinco quilômetros de distância de onde ficaram M. e J., pelo menos 20 mulheres tentavam conseguir clientes em um posto de gasolina, ponto onde caminhoneiros param para dormir. Maria do Socorro Gomes, 49, há sete anos faz ponto ali, mas ela começou a se prostituir aos 19 anos, em Alagoas, onde nasceu. Ela não vai sozinha ao posto. A sobrinha L.C.G., 16, a acompanha há um ano. Com medo de ser pega pela polícia, ela diz que tem 19 anos. L. começou a sofrer abusos sexuais aos 7 anos e já tem uma filha de 3, que mora com a avó, em Alagoas. "Meu sonho é trazê-la para viver comigo, mas minha mãe não deixa nem falar com ela", disse.
KAMILA FERNANDES, da Agência Folha, em Fortaleza

Esperei que trouxesses o livro de Saramago. Os cegos aguardavam-nos junto ao barranco, temerosos de que neve lhes toldasse a possibilidade de acamparem na planície. Foste parco em palavras: "trabalhar dia e noite até que se dissipem as nuvens!"
Os cegos agradeceram a dádiva, mas não te seguiram sem reclamar espaço na penumbra que começaram a divisar.

quarta-feira, 27 de abril de 2005

Lénine

Lénine



É tempo de lançar de novo ao vento
as ideias de Lénine.
Não nos derramamos
num charco de lágrimas:
Lénine está
agora
Mais vivo do que todos os vivos.

(Mayakovsky)

quinta-feira, 21 de abril de 2005

Lefebvre, não!


"Nós aderimos com todo nosso coração, com toda nossa alma à Roma católica, guardiã da fé católica e das tradições necessárias à manutenção desta mesma fé, à Roma eterna, mestra de sabedoria e de verdade. Por outro lado, nós recusamos, e temos sempre recusado, a Roma de tendência neo-modernista e neo-protestante que se manifestou claramente no Concílio Vaticano II e, depois do Concílio, em todas as reformas que saíram dele". (Excerto da declaração de Dom Lefebvre de 21 de novembro de 1974)

O cancro também pode morrer

No meio de tanta adversidade, surgiu a pior das notícias. Faz hoje um ano que foste internado, sem saber como nos doía a existência. Foi tão grande o medo de te perdermos, que até conseguiu superar o imenso amor que nutrimos por ti.
Que fazer? Depois do diagnóstico, sentimos que era preciso reagir e lutar. Recusar a inevitabilidade do desfecho anunciado, que alguns julgam sempre consumar-se. Porque precisamos tanto de ti, - nós, os teus netos; os teus amigos; e até o País -, não podíamos cruzar os braços. Por isso fomos à luta. Ajudaram-nos os médicos, as enfermeiras e, sobretudo, a tua recusa em baixar os braços. Depois do primeiro momento de desalento (sei lá descrever como se reage a uma sentença de morte anunciada), mal anteviste a ínfima possibilidade de cura decidiste lutar. Como sempre fizeste ao longo da tua difícil mas honrada vida. E essa determinação ajudou muito a combater a doença. A suportar os tratamentos. E a fazer de conta, sobretudo para os teus netos, que tudo continuava na mesma: que podias correr, jogar à bola ou pegar-lhes ao colo sem esforço aparente.
A nós, que buscámos ansiosos quem não se resignasse, ajudou-nos muito um livro maravilhoso: O CANCRO TAMBÉM PODE MORRER, do Dr. Luís Costa, ed. Ambar.
Diz o autor:
"O cancro é, entre todas as doenças crónicas que afectam o ser humano, uma das mais curáveis. Infelizmente, porque é tão frequente, é também uma causa de mortalidade importante, a segunda no mundo ocidental. Mesmo nos casos incuráveis, a doença pode ser controlada e a vida humana prolongada por um período de tempo bastante variável, de acordo com o tipo de cancro e de doente".
"A Maria José, aos 42 anos, foi internada no Serviço de Medicina II com um quadro catastrófico: uma massa enorme invadia toda a região pélvica, subia até ao diafragma do lado esquerdo e tinha já metástases na pleura (o líquido da pleura teve que ser aspirado para aliviar a doente da falta de ar). A biópsia revelava um carcinoma indiferenciado, isto é, um cancro cujas características são tão diferentes das células normais que não permite sugerir o ponto de partida da doença. A doente foi "revirada" à procura da dita origem, mas, a certa altura, foi necessário intervir terapeuticamente com carácter urgente. A resposta ao tratamento foi fantástica e completa: desapareceram todas as massas tumorais. Dez anos após, quando falo com a doente, ela não imagina por aquilo que passou, mas comenta: "Estava muito doente e até penso que andaram a fazer experiências comigo!...".
Sabemos que a luta vai continuar, porque os teus netos precisam de ti avô Cácá! E agora com mais vigor e alento: o tratamento resultou e contamos com a preciosa ajuda dos heróis que labutam diariamente no Hospital Garcia da Horta e a quem agradecemos do fundo das nossas almas.

terça-feira, 19 de abril de 2005


Os putos

Uma bola de pano, num charco
Um sorriso traquina, um chuto
Na ladeira a correr, um arco
O céu no olhar, dum puto.

Uma fisga que atira a esperança
Um pardal de calções, astuto
E a força de ser criança
Contra a força dum chui, que é bruto.

Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos
São como índios, capitães da malta
Os putos, os putos
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta
E ouvem-no a falar do homem novo
São os putos deste povo
A aprenderem a ser homens.

As caricas brilhando na mão
A vontade que salta ao eixo
Um puto que diz que não
Se a porrada vier não deixo

Um berlinde abafado na escola
Um pião na algibeira sem cor
Um puto que pede esmola
Porque a fome lhe abafa a dor.

José Carlos Ary dos Santos

Desejo


CAMPEÃO 2004/05

O Caminho das Aves

Reina a calma em todos os lares e há paz nos espíritos e nas ruas, garante quem, por obrigação e hábito, de tão complexa matéria deverá possuir o elevado saber que ao rasteiro entendimento naturalmente escapa. Felizes os que tal juízo acatam como bom, porque deles é o reino da tranquilidade, sabendo que assim é por assim lhes ser dito desde tempos imemoriais, A minha política é o trabalho, Eu quero é ganhar o meu, Ricos e pobres sempre houve e há-de haver, Pobrezinhos mas honrados, Graças a Deus. Sensatas sentenças, palavras de portugueses de lei, dignos herdeiros dos nossos avós, ou dos nossos maiores, como também há quem diga, autênticos pilares da serena estabilidade nossa, muito bem! Todavia, e por via das dúvidas sopradas pelo desvario que varre o Mundo e ameaça a ordem natural das coisas, aferrolhemos portas e janelas e frestas e postigos, calafetemos todas as frinchas visíveis e invisíveis não vão os ventos da História tecê-las, O seguro morreu de velho, não é verdade?
José Casanova

Não traio



Não traio
Porque insistes?
Não traio.
Desde criança que meu Pai me ensinou
não haver tempestade
na terra ou nos céus
que não traga
a praga
de um falso herói
salvador da cidade,
ou a esperança de um semideus
com um raio
na mão
que tudo destrói
para pintar depois o sol e o chão
de outra realidade.
Mas nunca encontrarás traidores
entre os que como eu
sonhamos combustões
de novas flores
com pétalas de asas de Liberdade
que só nascem e crescem regadas
pelos gritos e lágrimas
das multidões.
Povo continua! Não pares a tua tempestade.

José Gomes Ferreira

segunda-feira, 18 de abril de 2005

O bicho

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.

Manuel Bandeira

GUEVARA

Não choro, que não quero
Manchar de pranto
Um sudário de força combativa.
Reteso a dor, e canto
A tua morte viva.
A tua morte morta
Pelo próprio terror em que ficaram
À sua frente
Aqueles que te mataram
Sem poderem matar o combatente.
O combatente eterno que ficaste,
Ressuscitado
Na voluntária crucificação.
Herói a conquistar o inconquistado,
Já sem armas na mão.
Quem te abateu, perdeu a guerra santa
Da liberdade.
Fez brilhar na manhã do mundo inteiro
Um sol de redentora claridade:
O teu rosto de Cristo guerrilheiro.

Coimbra, 11 de outubro de 1967
Miguel Torga, Antologia Poética

Bolero do coronel sensível que fez amor em Monsanto

Eu que me comovo
Por tudo e por nada
Deixei-te parada
Na berma da estrada
Usei o teu corpo
Paguei o teu preço
Esqueci o teu nome
Limpei-me com o lenço
Olhei-te a cintura
De pé no alcatrão
Levantei-te as saias
Deitei-te no banco
Num bosque de faias
De mala na mão
Nem sequer falaste
Nem sequer beijaste
Nem sequer gemeste,
Mordeste, abraçaste
Quinhentos escudos
Foi o que disseste
Tinhas quinze anos
Dezasseis, dezassete
Cheiravas a mato
À sopa dos pobres
A infância sem quarto
A suor, a chiclete
Saíste do carro
Alisando a blusa
Espiei da janela
Rosto de aguarela
Coxa em semifusa
Soltei o travão
Voltei para casa
De chaves na mão
Sobrancelha em asa
Disse: fiz serão
Ao filho e à mulher
Repeti a fruta
Acabei a ceia
Larguei o talher
Estendi-me na cama
De ouvido à escuta
E perna cruzada
Que de olhos em chama
Só tinha na ideia
Teu corpo parado
Na berma da estrada
Eu que me comovo
Por tudo e por nada.

António Lobo Antunes

O que somos

Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos.
Eduardo Galeano

sábado, 16 de abril de 2005


Ao prato do dono

Por que será que os comentadores nos media são sempre os mesmos ? Por que será que entre o que escrevem semanalmente e o que peroram publicamente, existem diferenças abissais? Se lhes escondermos o Duverger glosado até ao limite da baboseira e invocado a despropósito; sem acesso à imprensa estrangeira que plagiam sem vergonha, descobre-se o imenso vazio da sua desonestidade intelectual. E no entanto, são sempre os mesmos. Fingem disputas onde existe só pensamento único; simulam indignações, ensaiam poses; estrebucham se alguém lhes aponta o conto do vigário que publicitam. Criticam por encomenda. Atacam por avença certa e avultada.Concordo com o Prof. José Gil (Portugal, Hoje: O Medo de Existir): "Nos jornais e na rádio, os debates confinam-se a trocas de opiniões e argumentos entre homens políticos, sempre de um partido, (...), ou entre comentadores, pretensos "opinion makers" que dialogam constantemente entre si, em círculo fechado. Muitos dos políticos são também comentadores, fazem o discurso e o metadiscurso, o que suscita um circuito abafador e redundante: sempre as mesmas vozes e a mesma escrita nos mesmos tons, com os mesmos argumentos..."

sexta-feira, 15 de abril de 2005

Se o entardecer é sempre belo ? Não sei, mas não me canso de olhar. Quando era menino e via, das janelas fechadas de São João do Estoril, o mar imenso carregando no dorso o dourado que caía mais além, procurava sempre o barquinho pequenino fugido a um menino triste e pobre como nós. Ainda hoje persisto nessa busca difícil, porque todos os barcos me parecem pequenos. E na história o menino também não se conformava com a perda.

Ri-te burgesso !

Leio José Gil : "O riso obtido, explorando a esperteza estúpida dos outros, revela um traço típico do burgesso português: é que, para ele, há sempre um burgesso mais burgesso do que ele. "
in Portugal, Hoje O Medo de Existir

quinta-feira, 14 de abril de 2005

Estoril


Até parece que foi ontem...

Carta de Mia Couto ao Presidente Bush

A não perder em http://www.macua.org/miacouto/CartaMiaCouto.htm

Frei Betto


Barco à deriva, ameaçado pelas ondas tsunamis da inflação, o Brasil atracou, em 1999, no porto seguro do FMI, confiando-lhe o comando de nossa política econômica. Faz seis anos. Desde então, somos parecidos às antigas colônias do Império Romano, governadas por cônsules que as visitam de quando em vez. Volta e meia a mídia noticia que nova missão do FMI desembarcou neste país colonial abençoado por Deus. Desde 1999, após a intervenção cirúrgica efeemista, quando o remédio quase matou o paciente, elevando a taxa de juros para o índice estratosférico de 45% ao ano, o Brasil entregou parte de sua soberania aos cardeais protetores do mercado (entenda-se: mais remessas de lucros às nações metropolitanas) que lhe impuseram o cinto de gastidade: o controle rígido das metas de inflação. Fizeram até aprovar a lei de responsabilidade fiscal (ignorando a de responsabilidade social). O médico passou a exibir os ótimos resultados dos exames, embora o paciente agonizasse… Imaginem a alegria de um investidor estrangeiro diante de um país-cassino que lhe assegura 45% de rendimento anual! A posologia exagerada punha em risco a vida do doente, mas restava o consolo de lhe salvar a alma – as contas públicas. Assim é a lógica da economia neoliberal. As finanças do país figuram impecáveis no belo caderno de dever de casa, embora o aluno tenha fome, malgrado seu aspecto rechonchudo… de vermes! Obeso como pastel de feira. Os rigores nas áreas fiscal e monetária, e o câmbio mais liberado que baile funk, fazem o Brasil ficar muito bem na foto emoldurada pelo mercado, apesar de a nação padecer brutal desigualdade e a miséria irromper, precoce e circense, em cada esquina de nossas médias e grandes cidades. (...)

Mais vale acender um fósforo na escuridão do que um holofote à luz do dia.

Nazim Hikmet

SOLIDARIEDADE COM A VENEZUELA

Hoje, 14 de Abril, às 18 horas, realizar-se-á na sede da Associação 25 de Abril (R. da Misericordia, 95, Lisboa) uma sessão pública promovida pela Comissão Nacional de Solidariedade com o Povo da Venezuela Bolivariana, por motivo do terceiro aniversário da derrota do golpe de Estado que visou derrubar o Presidente Constitucional Hugo Chavez Frias. Entre outros usarão da palavra o general Vasco Gonçalves, o economista Sérgio Ribeiro, os estudantes Luís Carapinha e Ines Zuber e o escritor e jornalista Miguel Urbano Rodrigues.

As evidências

Amo-te muito, meu amor, e tanto
que, ao ter-te, amo-te mais, e mais ainda
depois de ter-te, meu amor.
Não finda com o próprio amor
o amor do teu encanto.
Que encanto é o teu? Se continua enquanto
sofro a traição dos que, viscosos, prendem,
por uma paz da guerra a que se vendem,
a pura liberdade do meu canto,
um cântico de terra e do seu povo
nesta invenção da humanidade inteira
que a cada instante há que inventar de novo,
tão quase é coisa ou sucessão que passa...
Que encanto é o teu? Deitado à tua beira,
sei que se rasga, eterno, o véu da Graça.
Jorge de Sena

Isto não é uma flor ...

quarta-feira, 13 de abril de 2005

A Dor das Crianças Não Mente

“O que me magoou mais no decorrer deste processo, foram os ataques brutais contra as vítimas, crianças indefesas, na generalidade órfãs de pai e mãe, pobres e com histórias de vida dramáticas. Usaram contra a sua coragem e pungente sofrimento, todo o tipo de munições, das palavras alarves às perseguições e ameaças que só não puderam concretizar porque polícias honrados estavam lá. Ao lado dos agredidos, dos deserdados, solidários com a dor dos meninos, que á afinal a dor tamanha de um país acordado para a barbárie de supetão, graças ao honrado trabalho da jornalista Felícia Cabrita. Cedo a ofensiva cruel e desumana contra as vítimas fez parte da estratégia de destruição de toda a investigação. Sempre que surgem as primeiras denúncias de abuso sexual de crianças, estas são imediatamente apelidadas de prostitutas, marginais e mentirosas. Mas a realidade é bem diferente: a dor das crianças abusadas sexualmente, não mente!”

Tourada

Ary dos Santos

Tourada

Não importa sol ou sombra
camarotes ou barreiras
toureamos ombro a ombro
as feras.
Ninguém nos leva ao engano
toureamos mano a mano
só nos podem causar dano
espera.
Entram guizos chocas e capotes
e mantilhas pretas
entram espadas chifres e derrotes
e alguns poetas
entram bravos cravos e dichotes
porque tudo o mais
são tretas.
Entram vacas depois dos forcados
que não pegam nada.
Soam brados e olés dos nabos
que não pagam nada
e só ficam os peões de brega
cuja profissão
não pega.
Com bandarilhas de esperança
afugentamos a fera
estamos na praça
da Primavera.
Nós vamos pegar o mundo
pelos cornos da desgraça
e fazermos da tristeza
graça.
Entram velhas doidas e turistas
entram excursões
entram benefícios e cronistas
entram aldrabões
entram marialvas e coristas
entram galifões
de crista.
Entram cavaleiros à garupa
do seu heroísmo
entra aquela música maluca
do passodoblismo
entra a aficionada e a caduca
mais o snobismo
e cismo...
Entram empresários moralistas
entram frustrações
entram antiquários e fadistas
e contradições
e entra muito dólar muita gente
que dá lucro as milhões.
E diz o inteligente
que acabaram asa canções.


in SANTOS, Ary dos, As Palavras das Cantigas (organização, coordenação e notas de Ruben de Carvalho). Lisboa, Edições Avante, 1995.

A um traidor mal sentado

O teu lugar não é aí, junto dos que ganham a vida a trabalhar. É mais atrás, ao lado dos escroques, dos que te pagam a perfídia da traição. Tu sabes que não vales nada e deves estar surpreso por te darem tanto valor de uso. Mas não te iludas: mesmo que Roma pague a traidores, e tem-te pago!, o dia chegará em que serás chamado à verdade.
Nem dignidade tens para olhar nos olhos quem apontaste falsamente. E tu sabes que ele não podia tanto sangue derramar. Tanto futuro destruir. Por isso existes. Para esconder os mandantes, os senhores que se julgaram e julgam imunes ao escrutínio da nossa indignação.

Obrigado

Um destes dias o teu empenho será conhecido pelo povo comum. Por enquanto somos poucos a saber como sofres por teres recusado o silêncio. Por persistires na luta ao lado dos que nada têm, além da dignidade dos que não se vendem. Eles, por mais iniquidades que cometam, nada podem contra a marcha inexorável da verdade. Que te roubem o produto do teu trabalho: continuarás a produzir. Que te invadam a casa a horas impróprias: continuarás a residir ao nosso lado. Obrigado António, pelo exemplo solidário que os gansos jamais esquecerão.

SUGESTÃO

"VIDA, PENSAMENTO E OBRA DE JOÃO DOS SANTOS", de Maria Eugénia Carvalho e Branco, ed. Livros Horizonte.

Antologia acessível por estar organizada de forma a que se consultem os temas que a cada momento mais suscitem o interesse do leitor, esta obra é muito útil para todos os que cuidam de crianças.

terça-feira, 12 de abril de 2005

Lutar

Lutar quando tudo parece perdido e à nossa volta avulta a desistência, a traição e até mesmo a certeza de que nada será possível...
Lutar, porque sem combate nada se alcança.
Lutar, porque a viver ajoelhado é preferível a morte, como disse Che Guevara. E os poderosos escusam de fazer planos para mais mil anos...