sexta-feira, 17 de novembro de 2006

Ao Simão e à Teresa

Dor

Tardam na tela as nossas mãos
Onde a cor diz amante
És tu que vens, singular
Resgatar a existência do sol
Nos teus cabelos livres.
Agita-se já o hábito da dor
E as nossas mãos tardam
No instante em que o futuro se exime
E a imensidão vazia da memória
Traça percursos a sangue, delimita
A parede caiada dos teus gritos.
Finados tecem cardápios de silêncios
Meticulosos desferem chicotadas e conselhos:
De beber os teus lábios, não se fala
Em partilhar merendas ninguém pense.
Eu sei, a dor persiste, meu amor
Já não há mãos içadas para nós.
E no entanto,
A tua boca persiste na minha sem rodeios
Os teus olhos choram o mar onde me escondem
E ainda encontro resguardado do degredo
O desejo ancestral de sonhar.

domingo, 12 de novembro de 2006

A DEMOCRACIA DELES

"No domingo passado, sensivelmente à mesma hora em que o presidente dos Estados Unidos da América, Georges Bush, declarava, em Washington, falando a sério, que a condenação à morte de Saddam Hussein era a comprovação de que a democracia tinha chegado ao Iraque, o primeiro-ministro português, José Sócrates, afirmava, em Montevideu, presume-se que também falando a sério, que «em matéria de visão humanista e respeito pelos direitos humanos, não encontro melhor exemplo do que os Estados Unidos» - e sublinhava que, para confirmação do que dizia, bastava olhar para a «política externa norte-americana».


Trata-se de declarações complementares no seu sombrio significado, gémeas siamesas, pode dizer-se, ligadas pelo cordão umbilical de um arrogante e cínico desprezo pela democracia e pelos valores democráticos – ao fim e ao cabo a democracia deles. Na declaração do presidente dos EUA transparece o conceito de democracia adoptado pelo mais poderoso país do mundo. Dar como exemplo da chegada da democracia a um país a condenação a morte de uma pessoa – seja ela quem for – diz tudo sobre o entendimento de democracia de quem recorre a tal exemplo.

Na declaração de José Sócrates – presume-se que feita de livre vontade – o que sobressai é a precisão cirúrgica do primeiro-ministro português na escolha das qualidades que, em seu entender, são atributos louváveis dos Estados Unidos da América. Considerar a prática terrorista do imperialismo norte-americano como uma «política externa» caracterizada por uma «visão humanista» e pelo «respeito dos direitos humanos», constitui, não apenas um insulto à democracia, mas igualmente uma brutal ofensa à memória de centenas de milhares de homens, mulheres, jovens, crianças vítimas dessa «visão humanista» e desse «respeito pelos direitos humanos».

Esta exibição de pró-americanismo primário de José Sócrates – expressa na valorização absoluta daquilo que aos EUA mais interessa que seja valorizado – significa que o primeiro-ministro português apoia e aplaude com fervor democrático as invasões e ocupações de países, os massacres, as prisões arbitrárias de milhares de cidadãos de dezenas de países, o encarceramento desses cidadãos em situação de total isolamento e sem possibilidades de acesso a qualquer tipo de defesa, a sujeição desses cidadãos às mais bárbaras torturas, etc., etc.

O conceito de democracia de Georges Bush, tão apreciado por Sócrates, rege-se pelos interesses dos EUA e é simples e primário, como não podia deixar de ser, numa pessoa com a sua mediocridade humana, mental e intelectual. Para ele, as coisas são simples: a democracia é o regime que, em qualquer país do mundo e em cada momento, melhor sirva os interesses do imperialismo norte-americano; se esse regime for alcançado através de «eleições», óptimo; no caso de as eleições não serem manipuladas e de os candidatos do império saírem derrotados, então as eleições são declaradas sem efeito e passa-se ao plano B: a democracia é imposta pela força das armas, com a brutalidade, o terror, a barbárie consideradas necessárias para que o objectivo seja alcançado. Como aconteceu no Iraque. Como aconteceu centenas de vezes, ao longo da história, em múltiplos países.
Daí a sem surpresa da alegria esfuziante de Georges Bush face à condenação à morte de Saddam Hussein. Daí a conclusão tirada e difundida para todo o planeta que aquilo é que era democracia.
Saddam Hussein foi um tirano, um facínora, responsável directo por muitos horrorosos crimes. Lembremos, no entanto, o que não pode ficar esquecido: nos períodos mais sanguinários do seu regime de terror, Saddam foi um homem de mão da CIA e dos respectivos governos norte-americanos. Pelo que, o seu julgamento e condenação pelos crimes então cometidos só seria justo e só faria sentido se, a seu lado, no banco dos réus, estivessem sentados os responsáveis norte-americanos, no mínimo tão culpados como ele por todos esses crimes.

É conhecida a posição do PCP contrária à pena de morte seja qual for o país que a autorize e aplique; é conhecida a nossa posição em relação ao regime ditatorial de Saddam Hussein, cujos crimes fomos o único partido nacional a condenar – todos os crimes, registe-se, desde o assassinato de mais de seis mil militantes comunistas, cometido sob a orientação da CIA (que forneceu a Saddam Hussein os nomes e moradas desses militantes), até aos assassinatos (sempre com o apoio dos Estados Unidos da América) de milhares de outros cidadãos, homens mulheres e jovens progressistas, curdos, etc; é conhecida a nossa posição de condenação e denúncia dos objectivos e da selvajaria da invasão do Iraque pelos EUA em 1991 - a tal da carnificina da estrada de Bassorá, a tal em que as forças do bem (o exército norte-americano) enterraram vivos centenas de soldados das forças do mal (o exército iraquiano) que se haviam rendido; é conhecida a nossa posição outra vez de condenação e denúncia dos objectivos e da selvajaria da segunda invasão, destruição e ocupação do Iraque – e que, somada com a primeira, fez daquele país um imenso cemitério com centenas de milhares de vítimas inocentes; é conhecida, ainda, a nossa posição solidária com a heróica resistência do povo iraquiano à ocupação do seu país – solidariedade que aqui se reafirma inequivocamente.
Estamos, pois, à vontade – e com uma autoridade moral singular - para nos pronunciarmos contra a condenação à morte de Saddam Hussein e para sublinhar a farsa que foi o seu julgamento e a sua condenação, executados pelos títeres dos EUA no Iraque."

José Casanova, in Jornal «Avante!»

terça-feira, 7 de novembro de 2006

À nossa gente!

ESTA GENTE/ESSA GENTE

O que é preciso é gente
gente com dente
gente que tenha dente
que mostre o dente

Gente que seja decente
nem docente
nem docemente
nem delicodocemente

Gente com mente
com sã mente
que sinta que não mente
que sinta o dente são e a mente

Gente que enterre o dente
que fira de unhas e dente
e mostre o dente potente
ao prepotente

O que é preciso é gente
que atire fora com essa gente


Ana Hatherly, poema colhido no blogue Sine Die, onde foi plantado por Eduardo Maia Costa

segunda-feira, 6 de novembro de 2006

Arestas de Vento Bom

Ao Ricardo Cardoso,
À Céu Campos, com um imenso obrigado, pela partilha, pela amizade.


A todos e a cada um dos meus amigos

Por um por todos por nenhum
faço o meu canto canto a minha mágoa
num desencanto aberto pelo gume
deste pranto tão limpo como a água.

Por nenhum por todos ou por um
eu dou o meu poema o meu tecido
de palavras gravadas com o lume
do medo que na voz trago vencido.

Por nenhum por um mesmo por todos
sou a bala e o vinho sou o mesmo
que pisa as uvas os versos e o lodo
num chão onde a coragem nasce a esmo.


Joaquim Pessoa

quinta-feira, 2 de novembro de 2006

A LUTA CONTINUA!



Es que, cuando los hombres llevan en la mente un mismo ideal, nada puede incomunicarlos, ni las paredes de una cárcel, ni la tierra de los cementerios, porque un mismo recuerdo, una misma alma, una misma idea, una misma conciencia y dignidad los alienta a todos.”

Fidel Castro, “A História me Absolverá”

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

Pela democracia cultural




Não temos nada a ensinar; não há certezas a ter, apenas uma maneira de viver que consiste em desembaraçarmo-nos das certezas e do consenso que trazem. A partir do momento em que se acredita saber alguma coisa, começa-se a petrificar a vida, a vê-la através de clichés
Bernard Sobel, encenador e membro do PCF


Se partirmos da noção de Cultura como o conjunto ou sistema de actividades e práticas, meios e instrumentos, artefactos, obras ou produtos, entenderemos melhor que a actividade cultural abarca, igualmente, os processos de produção, intermediação e consumo que implicam infra-estruturas materiais e sociais, bem como, meios e instrumentos, tecnologias, instituições, aparelhos e mecanismos de comunicação e determinam ou modelam determinadas formas de vida.

Na cultura encontramos uma reflexão ou um fazer que se pensa a si próprio, ao mesmo tempo que pensa o mundo e a vida. Daqui decorre que o combate pela democracia cultural é um combate pela participação, pelo acesso aos bens produzidos, mas também e de forma indissociável, pelo acesso aos meios e instrumentos de produção cultural e à própria criação cultural.

A cultura é memória e renovação. Como militante do PCP não posso deixar de assinalar que sempre apostámos na intervenção cultural como factor de transformação do mundo e da vida, sem esquecer a necessidade de preservação da memória ou tradição, factores de que dependem a identidade comunitária e individual. Para nós, comunistas portugueses, são campos fundamentais de intervenção, por um lado, o Património, e por outro, a criação contemporânea, e, interagindo entre eles de forma central, a educação, o ensino e a investigação.

A distinção entre os três planos sociais da cultura (erudita, de massas e popular) implica, em termos políticos, uma intervenção cultural exigente e diversificada. Por isso é fundamental democratizar a cultura como elemento essencial de progresso social e emancipação individual

Contra o fascismo, O Tempo das Giestas


No passado dia 29, assinalou-se o septuagésimo aniversário da abertura do designado Campo da Morte Lenta, vulgarmente conhecido por Tarrafal. Tudo quanto se possa dizer sobre esse antro de tortura e assassinato político é pouco e não ilustra suficientemente a imensidão da dor por que passaram, é preciso dizê-lo, sobretudo, sucessivas gerações de jovens e respectivas famílias.
Para estudar o que foi o sinistro campo de concentração, marca indelével do regime fascista que durante 48 longos anos aprisionou este país, pode ler-se muita coisa, nomeadamente, os testemunhos dos que lá sofreram o horror inenarrável. A mim, que já li muito sobre o assunto, nada me impressionou mais do que o último romance de José Casanova, “O Tempo das Giestas”, precisamente sobre esta temática.
Espero, por isso, ansioso, que o livro chegue às livrarias. Além de estar magistralmente escrito, o que é habitual nos romances de Casanova, o livro é um MANIFESTO BELÍSSIMO contra o fascismo. E um hino comovente ao Amor e à Amizade.