domingo, 11 de setembro de 2005

O DESPREZO



"Kathleen Blanco, governadora do estado da Luisiana, nos EUA - e por isso com jurisdição directa sobre a cidade de Nova Orleães, devastada pelo furacão «Katrina» e submersa em água -, declarou às televisões e ao mundo que «a actual situação é intolerável! Estou furiosa!».
Estava «furiosa» com os actos de pilhagem que galopavam pela cidade, pelo que decretou que «a polícia e o exército têm ordens para atirar a matar e fá-lo-ão!». Cinco dias depois da tragédia, ao quinto dia consecutivo de nada fazer para resgatar as dezenas de milhares de pessoas encurraladas na mais desesperada miséria, cinco dias depois de ter deixado um furacão com data anunciada e violência prevista transformar-se num desastre humanitário de proporções bíblicas, cinco dias depois de uma tragédia que, nesse curto espaço de tempo, matara não se sabe quantos milhares de pessoas e encurralara centenas de milhares de outras no limiar mais extremo da sobrevivência, a governadora Kathleen Blanco não se angustiou, preocupou ou combateu a tragédia.
Ao quinto dia, decidiu ficar «furiosa» e ordenar que fossem abatidos a tiro todos os interceptados a mexer na sacrossanta «propriedade privada», mesmo que, como se viu nas televisões, a maioria dos roubos e pilhagens ocorresse na desesperada luta pela sobrevivência, por seu lado desencadeada pela total ausência de apoio das autoridades.É um retrato a corpo inteiro não apenas da senhora Blanco, mas sobretudo da política imperialista dos EUA, onde por trás da retórica não há um pingo de humanismo, de justiça social, de respeito pelos povos próprios ou alheios.
Não é por acaso que foi, também, apenas ao quinto dia que o presidente George W. Bush decidiu «sobrevoar» Nova Orleães e despejar mais um chorrilho de vacuidades, deslocação que, mesmo assim, foi pressionada pelo fragoroso clamor que alastrava pelo país, por inteiro chocado com a total inépcia de todas as autoridades - locais, estatais e federais – a prevenir a catástrofe e a evacuar as populações.
Foi, aliás, o que aconteceu no fim-de-semana passado na RP da China, país olhado tão sobranceiramente pela «grande democracia americana» e onde, em escassas horas, foram evacuadas 600 mil pessoas nas províncias Fujian e Zhejiang para as afastar do furacão «Talim», como aconteceu também este fim-de-semana no Japão, onde se evacuaram multidões para as abrigar do furacão «Nabi», tal como acontece quase todos os anos ali bem perto, em Cuba, onde os furacões levam regularmente o governo cubano a evacuar às vezes cidades inteiras e onde nunca, mas nunca se registou uma catástrofe em perdas de vidas humanas, apesar de se estar numa ilha na rota dos furacões e das tempestades tropicais.
Todavia, não é apenas a inacreditável incompetência das autoridades dos EUA que explica a tragédia de Nova Orleães: apesar dela, houve uma evacuação atempada de parte da população – exactamente a que tinha automóveis e meios financeiros para sair da cidade. A que ficou ao completo abandono foi a população pobre e sem meios que, na cidade de Nova Orleães, é notoriamente negra e, é claro, toda das classes trabalhadoras.Foi essa gente que o governo de Bush e C.ª desprezou sobranceiramente e depois decidiu «disciplinar» a tiro.Essa gente conta-se aos muitos milhões nos EUA e constitui um imenso e crescente «terceiro mundo» contido, pela força, às portas da imensa riqueza e sofisticação norte-americanas.O que o furacão «Katrina» fez foi expor, brutalmente, aos olhos dos EUA e do mundo, tanto esse «terceiro mundo» escondido e ignorado, como o desprezo que tem, por ele, quem manda no país.
Henrique Custódio, (Avante!)

1 comentário:

Anónimo disse...

Sabia-se que Nova Orleães, seria afectada por uma catástrofe natural, umas semanas antes de ela aparecer!
O mundo inteiro, estava com os olhos postos em Nova Orleães.
Lentamente começamos a assistir ao êxodo, dos habitantes, brancos e abastados!
O estado americano sabia/sabe, que Nova Orleães fica abaixo do nível do mar e é protegida por diques, das águas do lago Pointchartrin e do rio Mississipi. Há a devastação de vários diques, o governo americano nada fez para proteger a sua população. Um terço da Guarda Nacional dos estados atingidos pelo furacão, estão no Iraque!

Como é possível que um país consiga em dois dias pôr um contingente de milhares de soldados em países pacíficos, matando, destruindo! E não consiga proteger as suas populações!
Dezenas de milhares de mortos. Os negros, os velhos, os pobres, as crianças!
“Vou para onde? Sou velho, não tenho dinheiro! Nunca saí daqui! Fico à espera!!!” depoimento de um habitante negro, resignado. Ficando à espera da morte!

Assistimos, estupefactos ao caos terceiro mundista! Supermercado saqueados, para matarem a fome e a sede. Cadáveres semidesfeitos vagueiam sobre as águas, habitantes no cimo de telhados e pontes, pedindo ajuda! Que nunca há-de chegar!

Ajuda rápida foi no 11 de Setembro em N.Y., também para a Guerra do Iraque, biliões de dólares!
Para os pobres negros de N.O. ajuda, foi de centenas de soldados armados, “atirar para matar” protegendo as propriedades dos ricos!

Não nos podemos esquecer,que a política neoliberal de Bush, ajudou para este drama humano, desviando verbas destinadas à prevenção e desastres naturais, para a Guerra do Iraque.

GR