Da minha janela, via homens e mulheres de batas azuis, correndo para mais um dia de trabalho! O Sol espreguiçava-se e os trabalhadores, entravam na grande porta verde. Só voltariam a sair, depois do céu escurecer!
Ao meio-dia, homens e mulheres de bata azul, sentavam-se nas pedras gastas, levantando testos de minúsculos tachos reluzentes! Falavam baixo, desconfiados ou talvez tristes! Nos pés, socos de madeira, tornando visíveis as gretas de uma pele dura!
Fabricavam brinquedos. Brinquedos que os filhos dos trabalhadores, nunca puderam ter! Cresci a ver os trabalhadores envelhecer!
Numa véspera de Natal, gritos e gemidos, perturbaram azafama das compras para o sapatinho. Na grande porta verde, um papel vaticinando um triste Natal: “FECHADO”! Duzentos trabalhadores parados! Não receberam ordenado!
Horas depois, o som estridente de uma ambulância, levaria um trabalhador já sem vida! O coração parou, quando as máquinas da fábrica desligaram!
Da minha janela, via homens e mulheres de batas azuis, correndo para mais um dia de trabalho! Hoje, metade da Fábrica é um esqueleto de tijolos e pedras gastas, caindo diariamente. A outra metade, um condomínio de luxo! Passaram-se décadas. Soube que os trabalhadores nunca receberam dinheiro, nem subsídios, nem trabalho! Da maior Fábrica de brinquedos do país!
O Patrão, tem cavalos, carros e vivendas! Colecciona arte sacra e relógios do sec. XVIII !
Ao domingo, vai à missa do meio-dia, pedir para que Deus o continue ajudar!
GUIDA RODRIGUES
5 comentários:
Que belísimos textos. Também na forma, na embalagem viva e vivida em que embalas a mensagem viva e vivida!
Obrigado, GR.
Excelente texto! Reflete bem a forma como, ainda hoje, os trabalhadores são tratados... Antes por "Deus", hoje pela "crise"...
Excelente texto. Espero pela continuação e que não se importe que o coloque no meu blog.
A vivência da fábrica marca-nos a todos.
Nas minhas memorias mais felizes recordo quando nos meus três quatros anos ia com o meu pai (que trabalhava por turnos) esperar a minha mãe à saía da fábrica. Chegávamos uns dois ou três minutos antes das seis e ficávamos a uns metros do portão. Às seis horas em ponto soava uma buzina que se ouvia no Barreiro inteiro. Depois do grito mecânico os portões abriam e a minha mãe saía entre a multidão de homens e mulheres que eram o recheio da fábrica. Eu largava a mão do meu pai e entre a floresta das pernas de ganga abraçava a minha mãe pelos joelhos que me trazia ao colo até junto do meu pai.
Mais tarde quando comecei a aprender sobre os homem, o mundo e a luta, tive oportunidade de ler sobre a fábrica como sitio de exploração repressão e raiva calada. Apesar de tudo sempre tive dificuldade em ver a fábrica como uma coisa má em si.
A fábrica é também um local de trabalho, de luta e de vitórias. É assim que eu a sinto. É sobre tudo assim que eu a sinto.
Claro que o facto de ter vivido a infância nos anos 70 no Barreiro é um facto incontornável na minha identidade. Claro que a realidade que eu recordo em segunda mão das fábricas nos anos 70 no Barreiro, é uma realidade diferente das fábricas de hoje. Ou das fábricas no tempo dos meus avós...
Independentemente de tudo isto quando penso em felicidade como conceito, imagino sempre um fim de tarde de verão no Barreiro e uma massa imensa de homens e mulheres vestidos de ganga a sair da fábrica.
Com toda esta conversa de psicanálise barata, esqueci-me de te agradecer por teres partilhado este texto e estas emoções connosco. Obrigado Guida.
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