segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

Cruzada de Revelações

Em menos de uma semana, dois jornais daqueles que, a si próprios e uns aos outros, se chamam de referência, entregaram-se a sensacionais revelações. No Diário de Notícias (26.11), «Pacheco Pereira revela assassínio no Comité Central», enquanto o Público (1.12) dispara outra «Revelação» : «Catarina Eufémia não estava grávida quando foi morta há 51 anos» - e mais outra: «crónicas da época, bem como os testemunhos de então e dos que resultam da investigação do médico que a autopsiou, indicam que a ceifeira não seria militante do Partido Comunista».
Ora, se, como dizem os dicionários, revelação é a «divulgação de algo ignorado ou que está em segredo», estamos, então, e para já, perante revelações que não o são – isto, ainda que correspondessem a verdades comprovadas, o que não é o caso, como sabe quem quer saber.
Tanto as revelações do Diário de Notícias como as do Público, andam a ser difundidas há várias décadas, o que lhes confere um tempo de revelação singular… Recorde-se, ainda, que estamos perante revelações oriundas da mesma fonte: ambas foram divulgadas, em primeira-mão, pelo regime fascista. E acrescente-se, a talhe de foice, que nenhum dos aludidos reveladores actuais aduz seja o que for ao que, sobre a matéria, foi revelado em meados do século passado: o médico (um dos que fizeram a autópsia de Catarina) não apenas vem repetir o que, há mais de meio século, foi revelado sobre o «relatório da autópsia» - revelação que era de todo o interesse para o regime fascista e para a PIDE – como se limita a repetir a revelação, no mínimo com trinta anos de idade, de que Catarina não era militante comunista (dir-se-ia, até, que a própria autópsia revelou a opção partidária de Catarina…)
Quanto à revelação agora atribuída pelo DN a Pacheco Pereira foi, também ela, divulgada pela PIDE há mais de cinquenta anos… E em matéria de provas, nada de novo é acrescentado ao que a PIDE já havia concluído.
A não ser a prova que, à falta de provas, Pacheco Pereira apresenta: «Esta é, pela sua natureza, uma decisão que não se põe no papel e que, de um modo geral, não se proclama nem se reivindica nos partidos comunistas»...
Da mesma família, para pior, neste caso entrando já pelos enlameados caminhos da abjecção, é a prova de Luís Filipe Rocha, que leva ao pico a cruzada de revelações ao citar uma pessoa que já não o pode desmentir… Que tristeza! Que lástima!
José Casanova, in Avante!

3 comentários:

GR disse...

Já lá vai o tempo em que Pacheco Pereira, usava camisa de flanela aos quadrados, cabelos desgrenhados e de punho em riste gritava, para o presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de uma cidadezinha perdida no mapa, no dstrito de Aveiro “ É necessário criar-se uma Comissão de Operários, Soldados e Marinheiros, para tomar o Poder”, tendo obtido como resposta do dito presidente: “ Operários temos nas fábricas, Soldados temos o quartel, Marinheiros, só se for os pescadores da arte chavega” (1974).
Foi no tempo em estava na moda ser militante do MRPP.
Tudo fazia para ser notado!
Nunca ninguém o viu, nas verdadeiras lutas de esquerda, lado a lado com os operários, nem com os pescadores, nem com o Povo!
Foi no tempo em que leccionava História, num pequeno liceu!
Mas conseguiu, a notoriedade desejada!
Nem custou assim tanto, do MRPP para o PPD, hoje PSD!
Para além do ar forçado de intelectual, do cabelo bem penteado e do fato aprumado, ainda queria ser alguém mais notado.
A receita era simples, tornar-se mais anti comunista, talvez que a PIDE! Resultou!
Escrever uns livritos, mentindo, forjando as biografias Não Autorizadas, consultando os arquivos da PIDE, lá foi fazendo! Não querendo ficar atrás da JK Rowling, Pacheco Pereira também não se contentou com um livro, fez logo três!
Como é possível em trinta anos mudar-se tanto! Não poderei dizer que esse senhor perdeu a coerência, a verticalidade a decência, pois penso que nunca a teve!

GR

Sérgio Ribeiro disse...

E de todas estas "revelações" em cadeia que fica que valha a pena? Uma prova do que move certas "investigações", por mais sérias que sejam ou pareçam ser; o ataque permanente e de tudo se servindo, mesmo que requentado e/ou já azedo, ao inimigo de classe, cujo é o "famigerado" PCP, que até engravida quem grávida não estaria, que se vangloriaria de uma militância que autópsias negam, que assassina no Comité Central imitando ou antecipando a ficção do Montalban; tudo tornando acessório, quiçá despiciendo, o facto - ainda não desmentido - de que uma jovem camponesa alentejana foi assassinada no decorrer de uma manifestação em que participava por reivindicação relacionada com horário de trabalho, e talvez não tarde a "revelar-se" que ela só estava a passar por ali ou que ali estava porque obrigada fora pela máquina partidária do partido de que não era militante.
Ah! e fica também o texto excelentemente escrito do Zé Casanova, como todos são os do Zé Casanova.

A isto se chama... luta de classes!

E aproveito, como sempre vem a propósito, para te mandar um grande abraço, Pedro.

Riky Martin disse...

Bem, lá vou eu ser politicamente incorrecto.
Mas vocês sabem como é a escola da malta... não pode ficar nada por dizer.

Vamos por partes:
Primeira parte: o Publico e o DN. Claro que são pasquins que se constroem em espelhos um do outro. Claro que como o resto da comunicação social se limitam a divulgar lugares comuns e meias verdades. Porquê? Porque temos uma comunicação social que não presta. Lamentavelmente em Portugal temos muito maus jornalistas. Péssimos profissionais. Na sua maioria elitistas e corporativistas acham-se uma classe à parte com mais direitos que os outros cidadãos, por conviverem diariamente com o poder acham-se também poder, quando são apanhados em falso protegem-se como os GNRs.
Quando um jornalista começa a trabalhar é mal pago, é um facto. Depois da euforia de pertencer à classe e do status do cartão do sindicato, começam a olhar à volta e a perceber no pântano onde estão metidos. Na evolução de carreira, ou sobem na hierarquia e se tornam assessores de políticos ( ou directores que é quase a mesma coisa); ou mantêm uma postura incorruptível e não fazem favores às administrações e ficam estagnados nas secções de desporto ou musica que é tipo o caixote do lixo da imprensa. São esses que continuam a ganhar mal e ficam as digerir a azia e os maus fígados pelos bares do bairro alto. Os assessores de políticos pagam copos e jantares aos ex-colegas de jornal e ditam o que escrever.
È assim que a coisa funciona.
Não querendo desculpar a cáfila, de facto não podemos esperar muito mais desta gente. Se queremos informação é preciso irmos à procura dela.
Não é no Publico e no DN que ficamos a saber mais sobre a Catarina Eufémia. Penso que isso está claro para todos. Mas se o Publico fizer chegar a mensagem da Catarina Eufémia a um tipo que não sabia quem ela foi, acho que isso é positivo.

Quanto à própria Catarina.
Se estava grávida ou não, se era ou não militante do Partido, se era dirigente comunista, se foi funcionária ou simplesmente apoiante, penso que esta polémica não é nada estéril e acho que é do interesse de todos divulgar e levantar questões.
Independentemente das respostas que podemos obter, acho que este tipo de discussão permite apontar os focos dos media à personagem que foi a Catarina Eufémia e necessariamente à luta do partido. Com isto quero dizer que mesmo sabendo que o que o Publico diz e divulga barbaridades e informação falsa sobre o assassinato, acho que é positivo falarem no caso. È preferível dizerem as asneiras do que não dizerem nada. Toda a propaganda é boa. Todo o enfoque mediático em relação à memoria da Catarina Eufémia é bom.
Sobre a verdade histórica da Catarina, penso que o importante não é saber que estava grávida (e estava grávida de 5 meses) penso que o importante é saber quais as razões da sua luta e conhecer a infâmia do seu assassinato. Sobre a militância politica da Catarina, também me parece de importância relativa, o que é um facto incontornável é que foi o Partido Comunista Português e mais nenhuma outra força politica quem organizou a luta dos trabalhadores rurais alentejanos por condições de trabalho dignas. Isso nem a própria pide conseguiu negar.


Agora em relação ao Pacheco Pereira.
Eu não conheço o homem. Não me lembro dele no tempo do MRPP. Comecei a ouvir falar do Pacheco Pereira como comentador do regime durante o cavaquistão de má memoria. Lembro-me de um programa que havia na televisão com o Miguel Sousa Tavares, o Pacheco Pereira e o António Barreto. Normalmente discordo totalmente das analises que o Pacheco Pereira produz. Às vezes então diz com cada barbaridade que até se me arrepiam os pelos da nuca!!!! É verdade que é anti-comunista, mas não é dos primários, talvez por isso seja mais perigoso. È preciso dizer que apesar do tipo ser de direita é um homem inteligente e um profundo conhecedor do marxismo.
Sobre a biografia do Álvaro, comprei e li o primeiro volume. Estou à espera que a minha companheira me ofereça agora o segundo volume no Natal e talvez a minha irmã me dê o terceiro volume também agora. Por isso só posso falar do primeiro volume que é o que conheço, gostei verdadeiramente. Li a coisa de um só fôlego. Acho que o Pacheco Pereira fez um enorme trabalho de pesquisa. Um trabalho importantíssimo sobre a nossa luta e a nossa organização. Analisou ao pormenor a forma de estruturação do partido, a divisão pró células, o papel do arsenal da armada, a luta travada contra o anarco-sindicalismo, enfim, fez um bom trabalho de pesquisa. Devo dizer-vos que fiquei surpreendendo quando desfolhei o livro pela primeira vez na livraria porque não encontrei os lugares comuns das biografias centradas sobretudo em episódios de romance mas vi sobretudo trabalho de historiador. E bem feito. Foi por isso que comprei o livro – que foi caro!!!
A acrescentar tenho que dizer-vos que como comunista e militante, não acho que o Pacheco Pereira tenha nalguma parte deste primeiro volume da biografia, tratado de uma forma menos digna ou mais ofensiva a memoria do meu camarada Álvaro Cunhal.
É obvio que não podemos ser ingénuos. O Pacheco Pereira não é só historiador, é também militante do PSD e se um livro é sempre um objecto politico os livros de um politico são-no duplamente. Como instrumento de acção politica, considero que esta biografia do Álvaro Cunhal teve um efeito contrário aquele esperado. Acho que sendo o Pacheco Pereira um tipo de direita esta a fazer um favor ao nosso Partido, é outra vez a questão da propaganda. Para o português não comunista e não politizado ( que são infelizmente a maioria) tomar contacto com esta biografia e com toda a publicidade à volta desta obra, é também tomar contacto com a nossa luta, com o nosso trabalho durante a clandestinidade e conhecer os brutais mecanismos de repressão que o estado fascista sobre nós exerceu.
Sabendo que Pacheco Pereira é um tipo de direita e um anti-comunista sabemos que a informação que é difundida pelo Pacheco pereira é uma informação inquinada. Se tivermos presente que estamos a beber veneno e fizermos o exercício de isolar a propaganda anti-comunista podemos tirar dali algum sumo histórico e este sumo histórico no deserto editorial das margaridas rebelos pintos e dos códigos e dos templários já nos vai aliviando a sede.


Se com estas opiniões, acham que eu tenho alguma costela de renovador, fico chateado convosco, a sério que fico.

Abraços