quarta-feira, 11 de maio de 2005

Perigo Digital

"Em 1998, Anderson e Roseane navegavam por uma dessas disputadas salas de bate-papo na internet e foram surpreendidos por uma imagem terrível: uma menina com cerca de oito anos de idade, ainda na fase de trocar os dentes, estava nua, acorrentada pelo pescoço e pelos braços e sendo violentada por um adulto. Impressionado, o casal passou a se empenhar em identificar aquela criança, com o intuito de levar o criminoso para a cadeia. Depois de buscar vários caminhos, Anderson e Roseane descobriram que a menina fazia parte de uma relação de crianças desaparecidas nos Estados Unidos e seu paradeiro jamais foi localizado. O homem que a estuprou não foi identificado até hoje. Desde 1998, porém, o casal corre atrás dos pedófilos virtuais e de responsáveis por páginas de pornografia infantil que se multiplicam na internet na mesma proporção com que cresce o número de usuários da rede mundial de computadores.
“Criamos um site chamado Censura e recebemos denúncias de pedofilia na internet de todo o mundo. Encaminhamos as denúncias para as polícias do Brasil e do Exterior, mas os resultados ainda são muito tímidos e vivemos sofrendo ameaças”, lamenta a advogada Roseane. A cruzada protagonizada pelo casal é admirável. Nesses seis anos de trabalho voluntário, Anderson e Roseane elaboraram três dossiês com 6,8 mil denúncias envolvendo páginas virtuais no Brasil e no Exterior. O levantamento é alarmante e deixa claro que as vítimas dos pedófilos não são apenas crianças em situação de abandono.
Pelo contrário, a barbárie atinge qualquer criança. Imagens como a que impressionou o casal são cada vez mais fáceis de ser encontradas em qualquer computador caseiro. Basta estar conectado à internet para ter acesso a elas ou, o que é pior, para que crianças internautas venham a ser vítimas de um dos crimes que mais proliferam no planeta. Pedófilos de todos os continentes encontram na rede mundial um campo fértil e praticamente impune para atuar – seja para satisfazer seus fetiches, seja para recrutar suas vítimas, principalmente nas salas de bate-papo. Isso significa que uma criança conectada a um chat, por exemplo, pode estar sendo vítima de um aliciamento. E as crianças brasileiras estão bastante vulneráveis a esse crime.
Segundo a Telefono Arcobaleno, associação italiana para a defesa da infância, o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial dos sites dedicados à pornografia infantil. A entidade trabalha com informações do FBI (a Polícia Federal dos Estados Unidos), da Interpol e de polícias de vários países. Em seu balanço anual de 2003, catalogou pornografia infantil em 17.016 endereços na internet – desses 1.210 são brasileiros. Número que diminuiu drasticamente nos últimos seis meses, pois a legislação brasileira passou a considerar crime o fato de se publicarem na internet imagens de crianças em situação de abuso sexual. O problema é que a medida não significa uma redução da criminalidade. “Na verdade, a única coisa que mudou foi a hospedagem dos sites. Saíram do Brasil para provedores de outros países”, diz Paulo Quintiliano, perito-chefe do setor de crimes cibernéticos da Polícia Federal, em Brasília.

Problema caseiro – Há dez anos, os pedófilos precisavam recorrer a clubes fechados para trocar informações ou satisfazer seus torpes prazeres. Hoje não. “A internet facilita o contato dos pedófilos com suas vítimas, pois nos chats e blogs eles assumem qualquer personalidade e usam a linguagem que mais cativa o interlocutor virtual”, alerta Sandro D’Amato Nogueira, membro da World Society of Victmology (W.S.V.), nos Estados Unidos, entidade internacional que estuda o comportamento das vítimas de crimes no mundo. Com um terreno tão fértil, os frutos dessa bandidagem são consideráveis. Estudos realizados pela Interpol avaliam que a pornografia infantil virtual movimenta cerca de US$ 5 bilhões anualmente. A psicóloga Dalka Chaves de Almeida Ferrari, coordenadora do Centro de Referência às Vítimas de Violências do Instituto Sedes Sapientiae – CNRV –, na capital paulista, também alerta para os perigos virtuais a que estão expostas as crianças. “Pela via online é mais fácil aliciar os pequenos”, afirma. Foi identificado, segundo Dalka, que o público-alvo desses aliciadores são crianças internautas com oito anos em média. “É que, nessa idade, as crianças têm pouca, ou quase nenhuma, capacidade de evitar o assédio ou resistir a ele”, explica.

Palavras mágicas – Habilidosos, os pedófilos criam mecanismos para atrair crianças utilizando a própria linguagem infantil. A violência cibernética se concretiza, basicamente, em dois níveis: um deles consiste em conquistar a garotada para a prática sexual ou buscar nessa criança o objeto para a exposição de fotografias em situações eróticas. O outro é jogar para as crianças imagens pornográficas sem a menor cerimônia e, a partir delas, estabelecer um vínculo promíscuo. Para isso, é frequente a estratégia de estabelecer um link entre uma palavra comum ao vocabulário das crianças – como, por exemplo: kids, Mickey, ninfetas, chiquititas e outras – e os mecanismos de busca. Os menores, dentro de suas próprias casas ou até nas escolas, digitam qualquer uma dessas palavras numa pesquisa em sites de busca e em poucos segundos estará diante de centenas de imagens com conteúdo de pornografia infantil.

Segundo levantamentos feitos pelo FBI e pela Interpol, não é raro encontrar os aliciadores de menores em seus próprios lares ou nos lares de coleguinhas das vítimas. “Às vezes, a criança envia uma foto para um colega de classe e essa imagem acaba caindo na rede dos pedófilos. Ou porque alguém ligado ao colega que recebeu a foto está numa rede de pedofilia, ou porque a imagem foi colocada em algum blog e, com isso, se tornou pública”, alerta Anderson Batista, fundador do site Censura. No Brasil, pesquisas catalogadas pelo WSV apontam que 80% das crianças que sofreram qualquer tipo de abuso sexual foram agredidas dentro de casa. “Socorro, sou uma fraca e preciso de ajuda. Descobri que meu marido fotografa nossa filha, de sete anos, nua, e troca essas imagens na internet...”. Esse desabafo de uma mãe desesperada compõe uma das 1.650 denúncias encaminhadas, há quatro meses, por Anderson e Roseane à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que investigou a exploração sexual de crianças e adolescentes no País. “Este é o terceiro dossiê que entregamos às autoridades desde que começamos o trabalho, mas os resultados têm sido pífios”, garante Anderson. "

2 comentários:

Anónimo disse...

É horrível esses "fulanos" aproveitarem-se de tudo para fazerem mal. Até das "novas" tecnologias que deveriam ser para ajudar e não prejudicar. Pobres crianças!
Porém, quanto mais informação houver, melhor poderá ser a nossa ajuda!
Comprei hoje um livro(ainda não o li)que nos poderá ajudar a compreender melhor,este terrível flagelo; "a pedófilia".

"Um Mundo que Devora as Suas Crianças " Claire Brisset
Campo das Letras 12,60€

GR

Unknown disse...

Obrigado pela sugestão.