Vi ontem, colada no muro exterior da prisão de Setúbal, junto à janela gradeada de uma cela, a bandeira nacional. Que braços reclusos afixaram aquele grito? Que homem encarcerado arriscou tanto pelo prazer de tão inusitada manifestação de patriotismo?
A imagem guiou-me o pensamento a outros presos e prisões. Escuto a voz de um antifascista - longos anos encarcerado por lutar pela liberdade -, evocando esses tempos tenebrosos: “Sabíamos sempre se o Benfica estava a ganhar pelas reacções dos carcereiros”.
Penso depois que nos livros de Álvaro Cunhal, “A Estrela de Seis Pontas” e José Casanova, “ O Caminho das Aves”, os reclusos de delito comum são tratados com dignidade e respeito, a que não será alheia a convicção comunista de que é possível transformar para melhor o ser humano. Retorno à bandeira e acredito que aquela genuína manifestação será seguida por outras. Panos exigindo melhores condições para os presos e o fim das penas degradantes e cruéis; tratamento digno para os familiares dos reclusos; trabalho para todos; enfim, tudo quanto permitisse recuperar os homens e mulheres que por circunstâncias diversas se tornaram marginais.
Hoje de manhã olhei a parede, a janela, as grades. Pude pressentir a miséria a agravar o encarceramento. Mas da bandeira nem rasto. Ou talvez sim: porque a imagem não me sai da cabeça e o gesto do anónimo prevaricador fez-me bem ao coração.
1 comentário:
Também me fez bem ao coração saber do gesto do anónimo prevaricador. Que venham cá ao Norte muitos prevaricadores como esse. Os edifícios e até alguns automóveis precisavam de ser limpos...
Enviar um comentário