quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

A religião católica e o aborto

Parte de um trabalho realizado por Maria Tereza Verardo e Maria Jucinete de Souza

"Poderíamos ter ampliado este tópico para falar sobre a posição de diversas religiões em relação ao aborto. No entanto, pareceu-nos melhor abordar somente a católica, por ser considerada a religião oficial do Brasil e a mais rígida em seus princípios, ao mesmo tempo em que é a mais controvertida. É importante relembrar que nem sempre as posições da religião católica com relação ao aborto foram as que vigoram hoje. Esta percepção nos permite avaliar o quanto proibir ou liberar o abortamento é fruto de determinada concepção pessoal e não um fato natural, como querem nos fazer pensar. A Igreja Católica tem mudado sua atitude conforme o Papa que se encontra no poder. Vejamos a seguir.

No século IV, São Basílio considerava que a alma era infundida no novo ser no momento da fecundação. Esta teoria, denominada animação imediata, proibia o aborto em qualquer fase, já que a alma passava a pertencer ao novo ser no preciso momento do encontro do óvulo com o espermatozóide. No século VI, com o Código de Justiniano, passou-se a considerar que o momento da infusão da alma só ocorreria quando o feto adquirisse forma humana. O que significaria que, enquanto a alma não estivesse infundida no novo ser, o aborto não poderia ser proibido.

O Concílio de Trento (1545-1563) passou a adotar a teoria de que o movimento era uma expressão da alma. Isto é, o feto passaria a ter alma no instante em que a mulher sentisse os primeiros movimentos em seu ventre. É a doutrina da animação mediata. Com Pio IX, a teoria da animação imediata foi restabelecida e essa é a posição atual da Igreja. As pessoas que fizerem aborto, seja qual for o motivo, serão punidas com a excomunhão. Atualmente alguns grupos de religiosos tem divergido dessa concepção da Igreja. Vejamos o que dizem os representantes dessas novasfacções da Igreja Católica.

Em entrevista dada para a revista Manchete, 12 de outubro de 1996, o Padre Christian De Paul De Barchinfontaine fala sobre sua posição em relação à Igreja: O que ela deveria fazer era promover mais a educação, admitir e transmitir as informações sobre os métodos anticoncepcionais. A ciência existe para melhorar a qualidade de vida das pessoas e a Igreja tem de caminhar com estas evoluções. Quem conhece o sofrimento pelo qual passa uma mulher que aborta? Qual é o ombro ao qual ela pode recorrer? A sociedade culpa e marginaliza a mulher, mas até onde sei, são necessárias duas pessoas para se fazer um filho.

Semelhante é a posição de Ivone Gebara, do grupo Católicas pelo Direito a Decidir: Sou hoje a favor da discriminalização e legalização do aborto como uma forma de diminuição da violência contra a vida. (...) Independente da legalização ou não do aborto, independente dos princípios de defesa da vida, independente dos princípios que regem as religiões, o aborto tem sido praticado. Portanto, é um fato clandestino público e notório. (...) A legalização não significa a afirmação da “Bondade”, da “Inocência” ou ainda da “Defesa Incondicional” e até leviana do aborto como ato, mas apenas a possibilidade de humanizar e dar condições de decência a uma prática que já está sendo feita.

A verdade, como ressaltam estas vozes, é que o aborto acontece, independentemente da legalização. Com ele a discriminação torna-se ainda mais visível, pois só as mulheres ricas, ou pelo menos de boa situação financeira, podem pagar um aborto numa clínica decente com condições de higiene e acompanhamento médico. As mulheres mais pobres sujeitam-se a qualquer condição, porque não têm o direito de escolha. A Igreja, que diz fazer opção pela pobreza, não enxerga isso. No entanto, uma coisa não pode ser negada: talvez as restrições da Igreja Católica sejam válidas para seus fiéis. Todos aqueles que não pertencem a esta Igreja - hoje parece ser a maioria da população - não têm nenhuma obrigação de seguir seus preceitos. Ou seja, mais uma vez perguntamos onde está a liberdade do cidadão e da cidadã de optar pelo que deseja para a própria vida?"








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