segunda-feira, 23 de julho de 2007

"Quando te sentires encurralado e estiver tudo contra ti, a ponto de parecer que não aguentas nem mais um minuto, nunca desistas, porque é precisamente aí e então que a maré muda."


Harriet Beecher stowe, (1811 - 1896)

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Do Álvaro

Um problema de consciência

(…)
Num mundo em que não há risos sem lágrimas, a felicidade nunca pode ser uma situação com caracteres próprios e momentâneos. A felicidade não pode existir, não existe, como situação particular: nem quando depende de factos estranhos à própria vontade; nem como ideia abstracta. A felicidade só pode existir como um atributo de toda uma vida. Só a satisfação pela vida que se vive poderá tornar feliz.

Há então que não subordinar as acções ao alcance dum prazer. Mas antes amoldar a ideia de felicidade à vida que se vive.


Quando não nos sentimos meros joguetes da evolução mas, pelo contrário, sentimos que, mesmo ao de leve, as nossas energias modificam o seu ritmo. Quando sabemos ser leais, rectos e solidários. Quando amamos profunda e extensamente e nos sentimos capazes de sacrificadas demonstrações do nosso amor. Somos felizes porque não desejamos outra vida, porque sentimos preenchida a própria função humana. A felicidade só existe assim como condição da consciência da própria utilidade. Não dispersar actividades. Proceder com um critério. Ser coerente em todas as atitudes. Agir com uma só linha de conduta. Ter fé na própria vontade, embora aceitando as suas determinantes. Convicção de impotência e felicidade excluem-se.

Assim far-se-á da própria vida uma vida feliz. Feliz nas horas de ascenso e nas horas de derrota. Feliz na alegria e na tristeza. Porque, na felicidade, prazer e dor interpenetram-se. Até o estertor final pode conduzir à felicidade pela convicção de que se morre bem. Não pode haver felicidade sem dor, porque esta é inseparável da vida. Que se sofra! Mas que as vontades saibam amordaçar o sofrimento para triunfar. E, para isso, é necessário forjar nos peitos o desinteresse pessoal por prazeres efémeros, a rijeza do aço para lutar, o esclarecimento das exigências dos sentidos. Através da dor e da angústia, corações ao alto!

Se a felicidade é dada pela satisfação da linha de conduta, pela satisfação de que se procede bem, nada, nada, nem os gritos da própria carne esfacelada, nem lágrimas de emoção, nem a revolta instante e desesperada, podem destruí-la. Porque, acima dos próprios gritos, das próprias lágrimas, do próprio desespero, fica sempre a certeza duma vida voluntariosa e independente ou – se se preferir a expressão – recta, leal, digna.

Então suporta-se a dor e ama-se a vida. Podem as leis da Natureza esfrangalhar o corpo. Podem os órgãos começar cansando. E as pernas vergando de fadiga. Amortecendo-se a percepção. O corpo começar em vida o seu desagregamento. Poderá bailar ante os olhos a perspectiva da morte e o fim especar-se num amanhã irremissível.

E haverá sempre vontade de continuar procedendo sempre e sempre duma forma escolhida, marchando sempre para um destino humano e uma missão terrena voluntariosamente traçados. Haverá sempre anseio de continuidade e aperfeiçoamento.

Atravessar-se-ão tragédias com lágrimas nos olhos, um sorriso nos lábios e uma fé nos peitos.”


Álvaro Cunhal, Obras Escolhidas I, 1935-1947, edições Avante!