quinta-feira, 27 de abril de 2006

CAVACO SÓCRATES


Andam a fingir, desde que Abril derrubou o fascismo, ser democratas. Bastou agora que o inquilino de Belém repudiasse o Cravo – há-de aliás, na solidão da residência oficial, tê-lo amarfanhado irado – para que os democratas a fingir vissem nisso, prestativos visionários, um sinal de modernidade.
Que dizer destes cronistas despeitados? De tanto esforço para agradar aos donos, vão deixando cair o manto que lhes oculta a pérfida função. Falam de Democracia e Liberdade, mas pretendem o oposto. Se analisássemos os serviços que prestam, talvez concluíssemos que semelhanças tão fortes com aquilo que fazia o lápis azul até Abril de 1974, não são mera coincidência. E, consequentes, seríamos levados a constatar o óbvio: o fascismo está aí, moderno claro, na fatiota que decidiu agora envergar.
A conjuntura sopra ventos favoráveis e os cronistas do reino ufanam no seu protagonismo servil: Cavaco e Sócrates, irmanados no mesmo propósito, maioria parlamentar e Belém em uníssono neoliberal, desenvolvem uma tremenda ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e os seus salários, contra o sistema público da segurança social, contra as funções sociais do Estado, que querem mínimo, reduzido, como disse um dos ministros de Sócrates, às “funções de segurança e reguladoras”.
É pois natural que Cavaco rejeite o cravo e que Sócrates o use como mero adorno, estando como claramente se constata, um e outro, nos antípodas do que Abril significou. Afinal são os dois responsáveis pelo agravamento do desemprego, pela crescente precariedade e pela degradação dos rendimentos dos portugueses. E natural há-de ser que as vozes dos donos sublinhem positivamente os ataques ao sonho e à esperança que Abril nos trouxe.
Apesar disso, ou talvez por isso, a luta continua!

segunda-feira, 24 de abril de 2006

OS BARRIGAS E OS MAGRIÇOS

Em Junho de 2000, o Álvaro escreveu este conto para crianças, a propósito do 25 de Abril:


“Esta história que vos vou contar passou-se há muitos anos, ainda nenhum de vocês tinha nascido. Foi num país em que havia uns homens conhecidos como os Barrigas e outros conhecidos como os Magriços. Os Barrigas não tinham este nome por serem todos barrigudos, mas por comerem tanto, tanto, tanto que nem se percebia onde cabia tanta coisa. Houve até quem dissesse que para lá caber tanta comida o corpo dos Barrigas lá por dentro devia ser todo estômago.

Os Magriços também não se chamavam assim por terem nascido todos magrinhos. Mas porque, em certas épocas do ano, os Barrigas não lhes davam trabalho, nada lhes pagavam, e passavam tanta fome. E então sim, ficavam tão magrinhos, só pele e osso, magrinhos como carapaus secos. Os Barrigas tinham muitos campos, muitas terras, tão grandes, tão grandes, que de uma ponta nem com binóculo se via a outra ponta. Os Barrigas tinham também moinhos para moer farinha, lagares para moer azeitona e fabricar azeite. Nesses campos, nesses moinhos, nesses lagares, trabalhavam os magriços. Mas recebiam tão pouco, tão pouco, que não lhes dava para comerem eles, suas mulheres e seus filhos.

E, ainda por cima, eram mesmo maltratados, como se fossem bichos. Uma vez, um Magriço pediu ao Barriga seu patrão que lhe pagasse mais pelo seu trabalho. E sabeis vocês o que lhe respondeu o Barriga? O Barriga riu-se e respondeu: "Se não tens pão, come palha." Isto não se diz a ninguém. São palavras feias de um homem mau, não vos parece? Outra vez, um outro Magriço que trabalhava num lagar procurou o Barriga e disse-lhe «Senhor Barriga, eu fabrico cântaros e cântaros de azeite, mas o senhor fica com todo e eu não tenho azeite para temperar as batatas». E o Barriga deu uma resposta tão feia, tão feia, que não sei se aqui a diga. Mas sempre a digo. O Barriga respondeu: «Se não tens azeite para temperar as batatas faz-lhe xixi por cima.» Disse isto com palavras ainda piores, mas foi isto que disse.

São também palavras feias de um homem mau, não vos parece? Isto eram, porém, palavras feias de homens maus, mas as coisas eram ainda piores. Porque os Barrigas tinham ao seu serviço soldados armados e quando os Magriços protestavam - um, por exemplo, disse ao Barriga: «O senhor é um homem mau» - eles diziam aos soldados para prender os Magriços, meterem-nos presos nuns buracos a que chamavam prisões. Isto e ainda pior.
Uma vez, um Magriço não se cansava de protestar. «Vai-te embora daqui». E ele disse: «Não vou sem o senhor nos dar razão». O Barriga deu ordem aos soldados para lhe darem um tiro e ele morreu logo ali. Falando uns com os outros, os Magriços diziam que as coisas não podiam continuar assim. Mas havia os soldados. E se eles se revoltavam , os Barrigas diziam aos soldados para os correrem todos a tiro.
Que fazer? Se algum de vocês fosse uma Magriço, o que fazia? Foi um Magriço que se lembrou.Tinha um amigo que era soldado e disse-lhe assim: «Olha lá amigo, achas bem isto? O que os Barrigas te mandam fazer?» O soldado era bom rapaz e disse: «Eu estou de acordo contigo. Mas que posso eu fazer?»

Lembrou-se então de falar com os outros soldados e todos pensaram que era preciso ajudar os Magriços a libertar-se de tal situação. Foi então que os Magriços se juntaram todos, procuraram o mais barrigudo dos Barrigas e lhes disseram: «Isto não pode continuar assim. O senhor tem tanta terra que muita está abandonada. Nós vamos trabalhar para lá, cultivá-la, e o que produzirmos é para nós.»

O Barriga nem queria acreditar. Começou logo a gritar: «Estais malucos ou quê? Se se atrevem a isso, varro-vos todos a tiro!» Mas os Magriços não tiveram medo, foram para essas terras abandonadas, começaram a limpá-la de mato para depois cavarem e semearem. Os Barrigas protestaram, chamaram nomes aos Magriços, ameaçaram de os mandar matar. Mas o pessoal não se assustou. O mesmo sucedeu por toda a parte e os Magriços, com o seu trabalho, desenvolveram rapidamente a agricultura. Asseguraram trabalho a todos os que dantes passavam metade do ano sem trabalho e sem pão e ganharam para que ficasse a juventude que fugia. Semearam terras que estavam abandonadas. Produziram e venderam trigo, tomate, compraram vacas e ovelhas e assim produziram leite e queijo. Arranjaram máquinas agricolas.

O que fizeram os Barrigas? Chamaram os soldados e deram ordem: «vão lá e corram com esses gajos a tiro!» Os soldados foram, lá isso é verdade. Mas não deram tiro nenhum, e até deram os parabéns aos Magriços pelo trabalho que estavam a fazer. E o mesmo se passou nos moinhos e nos lagares de azeite. Os magriços tomaram conta de uns e de outros e quando apareceram os Barrigas a protestar, eles disseram: «Não lhe queremos mal, senhor Barriga. O senhor leva a farinha e o azeite de que precisa para a sua família. E nós levamos o resto para as nossas.»

E o mesmo se passou nas fábricas dos Magriços e em toda a parte. Passou-se tudo isto na primavera. Calhou começar no dia 25 do mês de Abril. Por isso, quando se fala no 25 de Abril, é dessa revolta dos Magriços e do que foram capaz de realizar que se fala.
E, para acabar a história, quero fazer-vos uma pergunta. A mim, já me têm perguntado: «Ouve lá, se tivesses vivido nessa época, com quem estarias tu? Com os Barrigas ou com os Magriços?» E eu respondo: com os Magriços, claro! E penso que conhecendo vocês esta história, dariam a mesma resposta.”

Álvaro Cunhal, 7 de Junho de 2000

quinta-feira, 20 de abril de 2006

QUANDO PERSCRUTO A FAMA CONQUISTADA


Quando perscruto a fama conquistada pelos heróis e as vitórias dos grandiosos generais, não invejo os generais,
Nem o Presidente na sua presidência, nem o rico na sua grande casa,
Mas quando oiço falar dos laços fraternais dos amantes, do que lhes aconteceu,
Como viveram juntos ao longo da vida, dos perigos, do ódio,
Inalteravelmente por longos anos,
Ao longo da juventudo, meia-idade e velhice, como foram firmes,
Afectuosos e fiéis,
Então fico pensativo – afasto-me apressadamente cheio da mais amarga inveja.


Walt Whitman, in Folhas de Erva

Da caixa de correio


"Nascidos antes de 1986

De acordo com os reguladores e burocratas de hoje, todos nós que nascemos nos anos 60, 70 e princípio de 80 não devíamos ter sobrevivido até hoje, porque as nossas caminhas de bebé eram pintadas com cores bonitas em tinta à base de chumbo que nós muitas vezes lambíamos e mordíamos. Não tínhamos frascos de medicamento com tampas "à prova de crianças" ou fechos nos armários e podíamos brincar com as panelas.
Quando andávamos de bicicleta, não usávamos capacetes. Quando éramos pequenos viajávamos em carros sem cintos e airbags - viajar à frente era um bónus. Bebíamos água da mangueira do jardim e não da garrafa e sabia bem. Comíamos batatas fritas, pão com manteiga e bebíamos gasosa com açúcar, mas nunca engordávamos porque estávamos sempre a brincar lá fora.
Partilhávamos garrafas e copos com os amigos e nunca morremos disso. Passávamos horas a fazer carrinhos de rolamentos e depois andávamos a grande velocidade pelo monte abaixo, para só depois nos lembrarmos que esquecemos de montar uns travões. Depois de acabarmos num silvado aprendíamos. Saímos de casa de manhã e brincávamos o dia todo, desde que estivéssemos em casa antes de escurecer. Estávamos incontactáveis e ninguém se importava com isso.
Não tínhamos PlayStation, XBox. Nada de 40 canais de televisão, jogos de vídeo, home cinema, telemóveis, computadores, DVD, Chat na Internet. Tínhamos amigos e se os quiséssemos encontrar íamos à rua. Jogávamos ao elástico e à barra e à bola, até doía! Caíamos das arvores, cortávamo-nos, e até partíamos ossos mas sempre sem processos em tribunal. Havia lutas com punhos mas sem sermos processados. Batíamos às portas de vizinhos e fugíamos e tínhamos mesmo medo de sermos apanhados. Íamos a pé para casa dos amigos. Acreditem ou não, íamos a pé para a escola; não esperávamos que a mamã ou o papá nos levassem.

Criávamos jogos com paus e bolas. Se infringíssemos a lei era impensável os nossos pais nos safarem, eles estavam do lado da lei. Esta geração produziu os melhores inventores e desenrascados de sempre. Os últimos 50 anos têm sido uma explosão de inovação e ideias novas. Tínhamos liberdade, fracasso, sucesso e responsabilidade e aprendemos a lidar com tudo. És um deles?
Parabéns! Passa esta mensagem a outros que tiveram a sorte de crescer como verdadeiras crianças, antes dos advogados e governos regularem as nossas vidas, "para nosso bem". Para todos os outros que não têm idade suficiente pensei que gostassem de ler acerca de nós.

Isto meus amigos é surpreendentemente medonho... e talvez ponha um sorriso nos vossos lábios: A maioria dos estudantes que estão nas universidades hoje nasceram em 1986... Chamam-se jovens. Nunca ouviram "we are the world" e "uptown girl" , conhecem de westlife e não Billy Joel. Nunca ouviram falar de Rick Astley, Banarama ou Belinda Carlisle. Para eles sempre houve uma Alemanha e um Vietname. A SIDA sempre existiu. Os CD's sempre existiram. O Michael Jackson sempre foi branco. Para eles o John Travolta sempre foi redondo e não conseguem imaginar que aquele gordo fosse um dia deus da dança. Acreditam que Missão Impossível e Anjos de Charlie são filmes do ano passado. Não conseguem imaginar a vida sem computadores. Não acreditam que houve televisão a preto e branco."

segunda-feira, 17 de abril de 2006

Solidariedade

" Em casos como o da Casa Pia
TEMOS O DEVER DE JULGAR!

No aniversário de
Vale a Pena Lutar!,
com um grande abraço
para o Pedro Namora

Há quem insinue, como quem não quer a coisa, que as vítimas não teriam nada a ganhar com o castigo de quem, eventualmente, teria cometido os crimes. E adoçam mais o que chamam erros, maus passos, escorregadelas (se acaso os teria havido…), falando de tendências sexuais de que não se tem culpa e de momentos passageiros de desvario a que todos estamos, ou somos, sujeitos.
Há, também, quem junte à insinuação a hipocrisia de anteceder a palavra vítimas do adjectivo presumíveis (ou presumidas, ou pretensas), assim dando maior ênfase ao tempo que se está a perder e ao facto de que ninguém irá beneficiar com a condenação dos que, coitados!, já têm a vida destruída e, se calhar, nem terão feito nada assim de tanta gravidade…
Há, ainda, quem leve a insinuação e a hipocrisia aos píncaros da ignomínia e não recue perante pôr em causa a credibilidade de quem vítima foi (“se diz ter sido… e, se calhar, foi instigador e aproveitou de prendas e prebendas a que, sem os actos ditos condenáveis, nunca teria tido acesso”). De qualquer modo, perguntam: “Para quê – e quem – punir? Punidos todos estão, uns porque são o que são, outros pelo prejuízo trazido às suas reputações e vidas… Pois se as pretensas vítimas até já foram indemnizadas, talvez houvesse era que indemnizar os presumíveis culpados que já tanto sofreram, coitados!...”
Pasmo e indigno-me.Todos estes, mesmo um ou outro a quem se possa dar de barato que tenha uns restos de boa fé, e ainda outros que descrêem que a justiça vá até ao fim e, desinteressados e distanciados, nada fazem para que o processo se conclua com o apuramento das responsabilidades de quem foi criminoso, todos parecem distraírem-se da importância de… se fazer justiça!
Há adiamentos, e protelamentos, e tergiversões. Com artes e manhas, expedientes expeditos, com dinheiro para tudo comprar, tempo e gente. E, curioso!..., são os mais activos em que não se faça justiça, ou defensores de que “não vale a pena” – “porque não se viriam remediar males feitos, se males houve…” – são esses mesmos que, se acaso um seu investimento (em arte, por exemplo) for roubado e ficar com mazelas, mais justiça pedem, dura e rápida, para punir quem lhes furtou o objecto e o teria danificado. E não lhes toquem no seu BMW, ou na sua casa da praia, quando não é um jactozinho, apesar de seguros e bem seguros. Pasmo (pasmo?) e indigno-me (indigno-me!)
Quando as vítimas são crianças e à nossa (de todos!) responsabilidade porque da sociedade, maiores são os crimes e mais necessário e urgente é que se faça justiça."
Sérgio Ribeiro

quarta-feira, 12 de abril de 2006

Um ano de vida

Este modestíssimo blogue faz hoje um ano. Assinalo a data sobretudo para vos agradecer, amigos, camaradas e companheiros de luta, toda a solidariedade. Se não fosse o blogue, a minha vida teria sido, seguramente, diferente para pior. Apesar de tudo – e o tudo aqui é inenarrável – pude sempre contar convosco.

Permitam-me destacar um homem, António Balbino Caldeira, e simbolizar nele o profundo agradecimento que vos endereço: solidário, corajoso, coerente, verdadeiro, honrado, tem travado, praticamente desde o início do que foi designado por Processo da Casa Pia, uma luta sem quartel contra a rede pedófila que controla o Estado. Em simultâneo com a sua luta firme, nunca descurou a solidariedade com as vítimas.
Por assumir essa atitude corajosa viu a sua casa devassada, os seus bens apreendidos, a sua tese de doutoramento adiada e até a sua idosa mãe maltratada. Contudo, nem isso o fez vacilar um só momento e colocou-se, de forma assumida e determinada, do lado das crianças abusadas. Calcorreou centenas de quilómetros, enfrentou pressões, processos judiciais, ameaças; tudo suportou de forma estóica para defender as crianças deste país.

Obrigado António, pelo teu exemplo. Que assinalo também para contrapor ao que constituiu a maior desilusão que sofri no decurso desta luta. Passo a explicar: quando aluno da Casa Pia a consigna era clara: um por todos e todos por um! Os mais velhos acorriam sempre em defesa dos mais novos. Quando o horror foi revelado e as vítimas começaram a ser difamadas pelos pedófilos e prestativas consciências de aluguer, na minha cabeça e no meu coração instalou-se a certeza – reflexo condicionado! – de que não tardariam aí os casapianos mais velhos dispostos à luta. Mas o tempo foi passando e deles nada. E isso, a desilusão, doeu-me muito. Preferiram o silêncio, optaram por calçar as pantufas do conformismo, assistiram indiferentes à tentativa de destruição dos gansos mais novos, tudo em nome da vida que vivem agora e de outros pretextos tão edificantes quanto vergonhosos.
De forma que à dor da descoberta da barbárie, somou-se a resultante de saber mortíssimos espíritos que julgava prontos à revolta. Também por isso, obrigado António. Obrigado amigos.
A luta continua!

terça-feira, 11 de abril de 2006

A não perder

O TIGRE E A NEVE, o mais recente trabalho de Benigni, é um filme belíssimo: amor, amizade e denúcia da barbárie que os americanos e respectivos sequazes prolongam no Iraque, tudo conduzido por um humor que de tão puro enternece, nos faz sentir o profundo humanismo do cineasta
Roberto Benigni possui o dom de tornar belo tudo aquilo em que toca com o seu imenso talento. Depois de A VIDA É BELA, o autor persiste na luta pela Paz e, corajoso, ridiculariza os falcões da guerra mostrando a única arma de destruição que encontrou no Iraque: um útil mata-moscas.
Prevejo que os americanos, que dominam também o mercado cinematográfico mundial, dificultem a destribuição e divulgação deste monumento anti-bélico, deste hino à Paz. Pelo que nos cabe difundir esta corajosa tomada de posição.

domingo, 9 de abril de 2006

A Nina


A Nina teve três filhotes, há cerca de duas semanas e na falta de melhor, escolheu o sofá da sala para parir . O primeiro nasceu no dia 23 de Março, e os outros dois apenas no dia seguinte. A Nina é uma gata jovem, mas apesar disso, tem-se esmerado no tratamento dos filhotes. Tem sido enternecedor acompanhar o crescimento das crias sob a supervisão da mamã.

sábado, 8 de abril de 2006

Obrigado Sérgio!

Este senhor chama-se Sérgio Ribeiro. E se coloco aqui as fotos que o fascismo lhe tirou é por vaidade: é verdade, este senhor é meu amigo.
Olho as fotografias, o seu porte digno, confiante e sinto-me forte, alegre, feliz, porque ele é nosso. É comunista hoje, como foi durante os tempos tenebrosos do fascismo. Mas não é apenas isso. Tendo, naturalmente, muito mais idade, o Sérgio continua jovem e a fazer pelo futuro tanto, que se todos fizéssemos o mesmo, esta porra de país estava diferente para melhor. Obrigado Sérgio, porque na verdade derrotaste esses miseráveis fotógrafos. E se hoje posso olhar os meus filhos tranquilo sem medo de morrer na guerra ou de ser preso por pensar diferente, devo-to a ti. E a outros que como tu, em nome do futuro, nos deram a liberdade.

PCP


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quarta-feira, 5 de abril de 2006

Funeral do senhor Professor Artur Ferreira

O corpo do senhor professor Artur Ferreira está em câmara ardente na capela dos Jerónimos. O funeral realiza-se amanhã, para o cemitério de Benfica, depois da missa que será realizada às 15H30.

Morreu Provedor-adjunto Artur Ferreira

Tinha cessado funções na Casa Pia de Lisboa, recentemente. Acompanhou Catalina Pestana durante os últimos três anos, com ela sofrendo a dor profunda dos meninos maltratados. Sofreu mesmo muito, como tantas vezes me confidenciou. Trabalhou rodeado de abjectas criaturas, que a todo o tempo tentaram restaurar a velha ordem que engordava os pedófilos. Seres desprezíveis que tudo fizeram para boicotar a sua acção pedagógica, o seu labor entusiástico, a sua crença numa Casa Pia melhor ao serviço dos meninos pobres deste país.
O seu coração de Homem-bom não resistiu e nós, os alunos e ex-alunos da Casa Pia de Lisboa - mas também Portugal -perdemos uma fortaleza inexpugnável, contra a iniquidade e a injustiça.
Ainda na década de 80, foi uma das poucas pessoas que ousou ajudar o mestre Américo, posicionando-se corajosamente do lado dos alunos, contra os pedófilos e cúmplices. Lutou por nós, quando muitos, quase todos, preferiram fingir que não viam a barbárie.
Em nome dos ex-alunos que tanto apoiou, endereço à família enlutada sentidas condolências. E porque sei que esse era o desejo do emérito professor, solto um grito forte, determinado: A LUTA CONTINUA, PROFESSOR!

terça-feira, 4 de abril de 2006

O BILTRE

No final de mais uma sessão de julgamento, Serra Lopes disse aos jornalistas que não acredita que as vítimas do processo Casa Pia tenham ficado traumatizadas com os abusos sexuais, acrescentando que "as pessoas que se profissionalizam na mais velha profissão do mundo não ficam com grandes traumas por isso."

É esta a dimensão moral da personagem: perante a dor profunda de vítimas selvaticamente violadas, vomita barbaridades, ciente de que a ele tudo será permitido pela mesma Ordem de Advogados que persegue cidadãos por defenderem as crianças. Mas este agressor das vítimas não está sozinho, nem é original. Antes dele, um famoso psiquiatra, defensor zeloso dos arguidos, mas que surge no processo mascarado de perito, ousou dizer que "a auto-estima de uma pessoa melhora se for violada por uma pessoa famosa".

Além do mais e como refere Anne C. Salter, “A história da psicologia ao longo do último século está repleta de teorias que negam a ocorrência de abusos sexuais, que ignoram a responsabilidade do criminoso, que culpam a mãe e/ou a criança quando o abuso é, de facto, reconhecido, que minimizam as consequências. Trata-se de um capítulo lamentável na história da psicologia, mas não é apenas vergonhoso, é também desconcertante. A hostilidade contra as vítimas infantis e as mulheres adultas está infiltrada nesta bibliografia como veneno.”

Na verdade, Serra Lopes é um seguidor de Levine, só que demasiado cobarde para o assumir. Cito de novo Salter:

“No mundo de Levine, não há qualquer problema se as crianças de doze anos tiverem relações sexuais. E não se trata apenas de sexo em si que Levine recomenda no seu livro, trata-se de sexo com homens mais velhos. “Os adolescentes com frequência procuram ter relações sexuais com pessoas mais velhas, e fazem-no por razões compreensíveis: uma pessoa mais velha fá-los sentirem-se atraentes e adultos, protegidos e especiais; frequentemente o acto é melhor do que seria com um coetâneo que tem tanta perícia quanto ele. Para alguns adolescentes, um romance com uma pessoa mais velha pode parecer-lhes mais uma salvação que uma agressão”.

Na verdade, Serra Lopes, é um seguidor de RIND, só que demasiado cobarde para o assumir. Socorro-me de Salter, para ilustrar a ignomínia:

“Na perspectiva de Rind e respectivos colegas, os miúdos ou são forçados a manter relações sexuais através da violência ou então “consentem”. A implicação subjacente é que as crianças e os adolescentes se encontram em pé de igualdade com os adultos. Presume-se que ou os pedófilos adultos não tentam manipular e ludibriar as crianças para terem relações sexuais, ou trata-se de uma situação em que os miúdos podem e devem desenvencilhar-se sozinhos. Mas a primeira é um absurdo e a segunda injusta. Não fui eu certamente a única a constatar que os criminosos manipulam as crianças, nomeadamente concedendo favores especiais, dinheiro ou roupas.”

A partir de agora, entende-se bem a motivação desta personagem no processo e a razão que lhe orienta a defesa que sustenta.