quarta-feira, 31 de maio de 2006

A mais bela bandeira

Vi ontem, colada no muro exterior da prisão de Setúbal, junto à janela gradeada de uma cela, a bandeira nacional. Que braços reclusos afixaram aquele grito? Que homem encarcerado arriscou tanto pelo prazer de tão inusitada manifestação de patriotismo?

A imagem guiou-me o pensamento a outros presos e prisões. Escuto a voz de um antifascista - longos anos encarcerado por lutar pela liberdade -, evocando esses tempos tenebrosos: “Sabíamos sempre se o Benfica estava a ganhar pelas reacções dos carcereiros”.

Penso depois que nos livros de Álvaro Cunhal, “A Estrela de Seis Pontas” e José Casanova, “ O Caminho das Aves”, os reclusos de delito comum são tratados com dignidade e respeito, a que não será alheia a convicção comunista de que é possível transformar para melhor o ser humano. Retorno à bandeira e acredito que aquela genuína manifestação será seguida por outras. Panos exigindo melhores condições para os presos e o fim das penas degradantes e cruéis; tratamento digno para os familiares dos reclusos; trabalho para todos; enfim, tudo quanto permitisse recuperar os homens e mulheres que por circunstâncias diversas se tornaram marginais.
Hoje de manhã olhei a parede, a janela, as grades. Pude pressentir a miséria a agravar o encarceramento. Mas da bandeira nem rasto. Ou talvez sim: porque a imagem não me sai da cabeça e o gesto do anónimo prevaricador fez-me bem ao coração.

segunda-feira, 29 de maio de 2006

Naquele pic-nic de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandeza,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampávamos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro de papoulas!



Cesário Verde

quinta-feira, 25 de maio de 2006

A pedagogia do abraço

" Há muitos, mesmo muitos anos, conheci um professor que me afiançou nunca ter defrontado problemas de indisciplina. Confidenciou-me que, no primeiro dia de aulas de cada ano lectivo, "dava toda a corda à turma" (sic), esperava que a desordem se instalasse e que o líder da desordem se revelasse. Então, "parava a romaria e aplicava no mariola uma sova monumental, que era remédio santo para todo o ano" (sic).

Recentemente, foi-me concedido o privilégio de reconhecer a distância que vai da violência "disciplinadora" desse professor de antanho à ternura dos braços de uma Ana (Joana de nome próprio, mas esse é um segredo que fica entre nós...).
A Ana viveu, por dentro, o quotidiano de um bairro degradado. Entre outros dramas, conheceu o de uma criança por todos considerada "violenta", hóspede quase permanente de um "quarto escuro", onde cumpria longas horas "de castigo". Porém, nem o negro isolamento domava a juvenil fúria. Em sucessivas vagas, a soco, a pontapé, à dentada, forçava a fuga das companheiras, e abreviava o regresso ao "quarto escuro".

Recém-chegada, a Ana depressa se apercebeu daquele círculo vicioso de violência, "crime e castigo". Poucos dias decorridos, aproveitando um momento de distracção da endiabrada rapariga, prendeu-a nos seus braços. A pequena ainda esperneou, mas sem conseguir escapar ao amplexo. Resignada, julgou chegado mais um momento de recolher à punitiva escuridão. Tremeu quando a Ana a beijou na face. Correu para novas tropelias, logo que a Ana a largou.

Não levou muito tempo a regressar. Ia direita ao "quarto escuro", de orelha pendurada, quase arrastada pela vigilante que a surpreendera em flagrante delito. De novo, a Ana intercedeu por ela. A vigilante largou-a nos seus braços. A pequena já quase não opôs resistência. Sentiu o abraço como abraço e recebeu o beijo sem frémito aparente. Mas, sem demora, foi procurar mais sarilhos e voltou – qual pássaro há muito sem ninho – ao aconchego dos braços e ao afago dos lábios da paciente Ana. Algumas idas e vindas depois, o íman do afecto prendeu-a definitivamente. A pedagogia do abraço vencera a da punição.

A vida dos professores está recheada de acontecimentos dignos de narrar e, como não há duas sem três, aqui deixo registo de outra peculiar experiência. O primeiro dia de escola começou num vaivém entre vinte e tal fedelhos a chorar baba e ranho e meia dúzia de ansiosas e renitentes mães, coladas ao umbral da porta, ora espreitando a descendência pelos interstícios, ora penetrando para assoar o nariz do herdeiro ou dar-lhe um beijo de despedida.

Respeitosamente, o professor encaminhou as ansiosas progenitoras no sentido da saída. Ao cabo de uma longuíssima meia hora, logrou encostar a porta: "com licença, desculpe, faz favor, minha senhora, sim, sim, pode ficar descansada, claro, pois, é natural, coitaditos, não é? As gotas, pois, não me esquecerei, pois, dá-me licença, se fazem favor, não custa nada, daqui a pouco já vão ao recreio, sim, minha senhora, não me esquecerei, concerteza..." Com mão firme e jeitinho conseguiu fazer descolar da porta os dedos da última mão da última mãe, deitou um olhar àquela que seria a sua primeira "primeira classe" e respirou tão profundamente quanto a ansiedade lho permitia.

Cuidou de acalmar os pequenitos que, a todo o momento, ameaçavam retomar o choro. Depois da tempestade, parecia ter chegado o merecido sossego. Contou os gaiatos. Faltava um.
- O senhor professor dá licença? - e logo algumas das já aquietadas mães aproveitaram para ensaiar um retorno e lançar ansiosos olhares sobre a prole, que retomava o ritmo do soluçar e desembocava numa nova e ruidosa choradeira.

Apercebendo-se de que a frente de batalha não se encontrava lá dentro mas fora de muros, o professor alterou a estratégia. Saiu da sala, fechou a porta atrás de si e a ela resolutamente se encostou, qual Mem Martins ao invés. O que viu fez com que o seu semblante não reflectisse tanta amabilidade como há meia hora atrás. Uma suposta mãe debatia-se impotente perante investidas e pontapés do seu rebento, acompanhadas de tais imprecações que fariam corar de vergonha um surdo.

- O senhor doutor do posto disse-me que ele tem sistema nervoso. O meu marido até ouviu – não foi, ó Quim? – que a gente não o pode contrariar. Eu ainda pensei em levá-lo ao especialista dos nervos, mas tenho lá posses! ‘Inda se a Caixa me desse um suicídio! Já entreguei a papelada há que tempos... e nada!
- O garoto é levado do diabo – comentavam, entre dentes, alguns dos presentes.
Metê-lo assim na sala, nem pensar! – pensou o professor. Pegou no puto ao colo e, a custo, foi com ele até ao alpendre das traseiras.

Quando se encontrou a sós com o miúdo, sentou-o na beira do muro e falou-lhe baixinho e ao coração. Disse-lhe tudo o que é possível dizer-se para sossegar o espírito de uma criança. E o infante presenteou-o com um chorrilho de impropérios:
- Deixa-me, filho da p...! Deixa-me!
O professor respirou fundo, contou até vinte, voltou a respirar mais fundo e contou mais uma vez. O professor não era dos que acreditava no ditado popular que diz que "moço que não é castigado não será cortesão nem letrado", mas já começava a desesperar. O fedelho esperneava e gritava:
- Deixa-me, filho da p...! Larga-me!

A mão do professor foi mais lesta que o pensamento e só parou na face do pequeno. Mas foi a mesma mão que a acariciou e enxugou as últimas lágrimas, enquanto os seus braços envolveram a criança num abraço penitente. O miúdo percebeu que a sua performance tinha acabado e que com aquele adulto – a seus olhos bruto e terno – a cena do grito e da canelada não surtia efeito. Por receio de novo tabefe ou por razões que a razão desconhece, o pequeno lá foi, a par do novo mestre, sala adentro, como se nada de especial tivesse sucedido.

à sua passagem, uma mãe ainda comentou:
- Este professor é que tem jeito para as crianças!
Equidistante dos outros dois episódios, este confirma o que já dizia um poeta: as mãos " são a guerra e são a paz" . Apercebo-me de que o texto já vai longo e de que ainda não lhe juntei palavras por detrás das palavras. Juntar-lhe-ei apenas uma recomendação bibliográfica. Se é verdade que bater numa criança é um acto de cobardia, também sabemos o que Anton Makarenko escreveu no seu "Poema Pedagógico". Quem ainda o não leu, não sabe o que perde. Está lá tudo. "

José Pacheco
Escola da Ponte / Vila das Aves

sexta-feira, 19 de maio de 2006

Obrigado Felícia Cabrita!

Felícia Cabrita vai ser ouvida em tribunal, se entretanto as sucessivas manobras de diversão não o impedirem, na próxima segunda-feira. Se puder falar, aquela que considero ser, pelo heroísmo, a Catarina Eufémia do jornalismo, vai levar à barra contributos fundamentais para o esclarecimento da autoria da barbárie.

Felícia, mulher profundamente corajosa e íntegra, conseguiu desvendar, tomando claramente partido pelas vítimas, a imensa teia que os criminosos urdiram para se acobertarem. A tudo resistiu, corajosa e honradamente, enquanto outros, que na fase inicial e durante meses parasitaram o trabalho que produziu, se venderam aos que na rede comandam as operações.

A Felícia é uma heroína. Recordo que no início do processo, quando me telefonou a dizer que tinha descoberto o Bibi - o que toda a Polícia Judiciária não tinha conseguido -, e que o ia entrevistar sozinha, desvalorizou os avisos que lhe fiz para que tivesse cuidado e interpelou-o, acossando-o com os indícios que tinha.
Depois disso, de muito trabalho solitário, sério, minucioso, ética e deontologicamente irrepreensível, recusou as diversas propostas que lhe fizeram e que tantos invertebrados aceitaram, para dar outro rumo à investigação que laboriosa e honestamente desenvolveu.

Sem ela, sem a sua imensa coragem e honradez, nada teria saído do marasmo criminoso que persistiu durante décadas. E muitos mais meninos e meninas, pobres, teriam sucumbido.

Entretanto viu a sua filha pequenina ameaçada. Foi perseguida e finalmente despedida pelos canalhas que em Portugal exercem poder efectivo. A tudo resistiu heroicamente. Com a mesma determinação com que no início de tudo a vi chorar comovida pelo drama dos seres de que Soeiro Pereira Gomes falou.

Na segunda-feira sei que a verdade vai inundar, dolorosa, a sala onde decorre o julgamento.
Obrigado Felícia. Pelos meus filhos, pelos meus irmãos casapianos. Pelas crianças deste País.

terça-feira, 16 de maio de 2006

A BANDEIRA COMUNISTA



O POEMA
Foi como se não bastasse
tudo quanto nos fizeram
como se não lhes chegasse
todo o sangue que beberam
como se o ódio fartasse
apenas os que sofreram
como se a luta de classe
não fosse dos que a moveram.
Foi como se as mãos partidas
ou as unhas arrancadas
fossem outras tantas vidas
outra vez incendiadas.

À voz de anticomunista
o patrão surgiu de novo
e com a miséria à vista
tentou dividir o povo.
E falou à multidão
tal como estava previsto
usando sem ter razão a
falsa ideia de Cristo.

Pois quando o povo é cristão
também luta a nosso lado
nós repartimos o pão
não temos o pão guardado.
Por isso quando os burgueses
nos quiserem destruir
encontram os portugueses
que souberam resistir.

E a cada novo assalto
cada escalada fascista
subirá sempre mais alto
a bandeira comunista.
ARY DOS SANTOS

A BANDEIRA COMUNISTA

A HISTÓRIA
"A folha manuscrita aqui reproduzida é a única existente do original de A Bandeira Comunista de José Carlos Ary dos Santos. Um dos mais conhecidos poemas de Ary e seguramente dos mais queridos dos militantes do PCP, A Bandeira foi escrito em condições que merecem ser recordadas.

Na segunda-feira, 11 de Agosto de 1975 o Centro de Trabalho do PCP em Braga foi destruído e incendiado após um ataque comandado por um grupo operacional do ELP, como mais tarde veio a ser revelado por numerosas investigações e directamente reconhecido por alguns dos membros do comando directamente envolvidos.

O «Avante!» enviara no fim de semana anterior para Braga um seu colaborador fotógrafo, uma vez que corriam insistentes boatos de incidentes em Braga na segunda-feira por (como sucedeu em diversos outros actos terroristas) ser dia de feira. Tendo resolvido pernoitar no Porto, o repórter chegou a Braga a meio da manhã verificando então que os provocadores haviam já desencadeado as agressões e que o Centro de Trabalho (onde se encontravam numerosos militantes) estava já cercado.

Apedrejamentos e tentativas de fogo posto sucederam-se ao longo do dia, tendo – de forma equívoca nunca inteiramente esclarecida – os defensores do Centro acabado por ser retirados por uma força militar que deixou o edifício entregue aos fascistas que completamente o destruíram e incendiaram.

Tomado pelos provocadores como um repórter que lhes era favorável, o fotógrafo do «Avante!» pôde assim obter ao longo do dia as mais extraordinárias imagens da violência fascista à solta, muitas das quais foram publicadas na edição seguinte do «Avante!», a 14 de Agosto. Para essa mesma quinta-feira, a Direcção da Organização Regional de Lisboa convocara para o hoje Pavilhão Carlos Lopes um comício de solidariedade com os camaradas das organizações atingidas pelo terrorismo e de exigência de medidas de salvaguarda da ordem democrática.

Na redacção do «Avante!» decidimos montar num dos átrios do Pavilhão uma exposição com ampliações das fotos de Braga, de que só uma pequena parte havia sido publicada no jornal. Feitas as ampliações, colocou-se o problema das legendas – que acabou a ser um duplo problema...

A questão era que as imagens tinham uma força tal que qualquer palavra, qualquer frase parecia estar ali a mais. Contudo... Lembrámo-nos então, telefonou-se ao Zé Carlos para a Espiral, agência de publicidade onde trabalhava, e dissemos-lhe do problema: «Não serias capaz de fazer aí qualquer coisa, uns versos com força, isto não há legendas que resolvam isto...». «Esperem lá um bocado que eu já ligo.»

Meia hora depois o telefone tocava e ouvia-se o vozeirão do outro lado: «Então vejam lá se esta coisa serve.» Era A Bandeira Comunista. Copiada ao telefone, dactilografada e ampliada, iniciou nessa noite de luta um caminho que não findou jamais."
(ARQUIVOS DO PCP)

O PARTIDO



com Neruda reafirmo:

«Passaram bastantes anos desde que ingressei no Partido. Estou contente. Os comunistas constituem uma boa família. Têm a pele curtida e o coração valoroso. Por todo o lado recebem pauladas. Pauladas exclusivamente para eles. Vivam os espiritistas, os monárquicos, os aberrantes, os criminosos de vários graus. Viva a filosofia com fumo mas sem esqueletos. Viva o cão que ladra e que morde, vivam os astrólogos libidinosos, viva a pornografia, viva o cinismo, viva o camarão, viva toda a gente menos os comunistas. Vivam os conservadores que não lavam os pés ideológicos há quinhentos anos. Tudo se esforça por mudar menos os velhos sistemas. A vida dos velhos sistemas nasceu de imensas teias de aranha medievais, mais duras que os ferros das máquinas. No entanto, há gente que acredita numa mudança, que praticou a mudança, que fez triunfar a mudança, que fez florescer a mudança. Caramba! A primavera é inexorável!»

segunda-feira, 15 de maio de 2006

DAS KAPITAL E O MANIFESTO COMUNISTA

Era um homem
Era um livro
Bem belo
Era o livro com paredes de vidro
Era o Partido
Quando falavam ou agiam
não eram eles
era o Partido
contido!

Foram Marx e Engels
Estaline após Lenine
Era o tempo da revolta
do fascismo e da guerra
Era o tempo da Revolução
o tempo escasso
de Abril em Maio
o tempo da alegria e do sonho
do mundo novo a construir.
A esperança era um canto na cidade aberta e
o futuro começava ali numa criança a sorrir
ao virar da esquina
ao alcance da nossa mão
O riso enchia a praça e tão leve o ar!

Era o tempo dos slogans
da liberdade da fraternidade da justiça e
da paz
Havia é certo
Maio de 68 e o conflito sino-soviético
o Chile e o Vietname
e o despertar das colónias sob novas cadeias
E também havia
a Universidade em 69
a Hungria e a Checoslováquia
a Polónia e o Afeganistão
E vieram alguns outros
Khruchev e BreJnev
e também Gorbatchev
Havia é certo, lá longe
as cortinas
de ferro ou de bambú
Havia barreiras e fronteiras
no tempo da escuridão
da luta pela unidade na Revolução
Havia paredes
de vidro transparente ou translúcido
frágil como o cristal ou
forte se aramado ou martelado
espelho na reflexão.

Era um homem
Era um livro
E eles não sabiam
que era o tempo da Revolução.
E os homens ficaram
E os homens partiram
E eles não souberam
estender a sua mão
esquecidos da Revolução
na noite da reacção
E fecharam-se as portas
E cerraram-se as janelas
e eles dividiram-se na maré da inflexão
e não souberam camaradas
dar a sua mão
esquecendo que a revolução
começa com o nosso irmão.

E levantaram paredões e lançaram ao chão
o camarada e amigo que tinha outra razão
porque tinham em si o que pretendiam
construir ou destruir
E falavam em coisas belas
falavam da liberdade da fraternidade
da justiça e da paz
para outra criação
Eram homens e mulheres
alguns assassinados
que não queriam a morte
nem a espoliação ou humilhação
e passavam
passavam sempre
azafamados ou com lentidão
simples ou cheios de razão
com as virtudes e defeitos
do lugar e tempo em que estão
Uns e Umas com delicadeza, como é óbvio
e outros com distracção ou brutidão
a franqueza do clarão na escuridão
esclarecido ou não
Era um homem
uma mulher
Era um livro
partido
porque não souberam vencer a solidão e
construir outra fabricação
Eram só homens
Eram só mulheres
Era só um livro
Bimbelo
se não houvesse
em gestação
outra reflexão!

Até amanhã camarada ou não

( Victor Nogueira)

quinta-feira, 11 de maio de 2006

Contra a mentira!

Celebrou-se no passado dia 8 de Maio o 61º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial. Como habitualmente, os que pretendem reescrever a História, adaptando-a aos seus propósitos ideológicos, praticamente apagaram o papel que, no triunfo sobre os nazis, desempenhou a União Soviética. Porque sem memória não há futuro, aqui vos deixo a passagem de um prefácio que Álvaro Cunhal escreveu para a obra “O IV Congresso do PCP visto 50 anos depois”:

“O fascismo pretendera conquistar o mundo. Com a cumplicidade da Inglaterra e da França, esmagara militarmente a República Espanhola e anexara a Áustria. Assinado o Acordo de Munich – com o qual as democracias ocidentais incitaram Hitler à guerra contra a URSS -, os exércitos alemães ocuparam a Checoslováquia, invadiram a Polónia e, desiludindo os que os haviam incitado para Leste, voltaram-se contra eles e , prosseguindo a “guerra relâmpago” (Blitzkrieg), ocuparam a Noruega, a Holanda, a Bélgica e a França.
Então, com as mais poderosas forças militares até então conhecidas na história – e estabilizada de momento a situação militar a Leste com o pacto germano-soviético -, lançaram-se na invasão e na conquista, que parecia imparável, do país dos sovietes e chegaram às portas de Moscovo, de Leninegrado e de Stalinegrado. O fascismo foi porém derrotado na guerra. Para essa derrota, a União Soviética, que defrontou durante três anos sozinha os exércitos hitlerianos, e que perdeu na guerra 20 milhões de vidas, representou papel determinante.

É de lembrar que, só depois de os exércitos soviéticos terem nas batalhas de Stalinegrado cercado e aniquilado, de Novembro de 1942 a Fevereiro de 1943, 20 divisões alemãs com mais de 330 000 homens; só depois da batalha de Kursk, em Julho de 1943, “a maior batalha da história”, em que foram aniquiladas 50 divisões, a maior parte das quais Hitler deslocara das regiões ocupadas do Ocidente da Europa; só depois destas e de outras grandes vitórias do Exército Vermelho que significavam a inversão radical da situação militar e o começo da derrota da Alemanha hitleriana e seus aliados; só depois da Conferência de Teerão de Stáline com Churchill e Roosevelt em fins de 1943, na qual se discutiu a falta de cumprimento pelos Aliados do compromisso de abrirem em 1942 a chamada Segunda Frente; só depois do desembarque e da acção militar norte-americana no sul da Itália que praticamente não aliviou as frentes do Leste; só quando se tornou evidente, com o avanço das tropas soviéticas, que a União Soviética estava em condições e a caminho de libertar toda a Europa com as suas próprias forças – só então as tropas britânicas e norte-americanas desembarcaram na Normandia (6 de Junho de 1944).

Em 2 de Maio de 1945 os exércitos soviéticos tomaram Berlin, “esmagaram a fera no seu próprio covil”, içaram a bandeira vermelha da vitória no alto do Reichstag. Em 8 de Maio, a Alemanha hitleriana assinava a rendição incondicional. Seguiu-se no Extremo Oriente a derrota do militarismo japonês.

Embora dando justo valor à luta dos Aliados, A URSS aparecia para os povos de todo o mundo como a grande força de libertação, com uma vitória militar que era também a vitória do povo soviético e a vitória do socialismo.”

terça-feira, 9 de maio de 2006

Os papagaios

Como se bastasse apenas carregar-lhes num botão embutido, para que não se note como estão programados, os homens do sistema, amestradas criaturas de que Pavlov tanto falou, repetem em uníssono as mesmíssimas coisas. Seja a propósito da necessidade de mais austeridade para os trabalhadores, da limitação de direitos ou da contenção orçamental, seja, no plano internacional, dominado pelo amo Bush, a necessidade de falar mal dos que desagradam ao imperialismo.
A uma só voz, repetem as mesmas baboseiras, convictos de que dizem verdades incontestáveis, adoptando o mesmo ar seráfico e emproado, pigarreando levemente quando acham que isso lhes confere nobreza ou distinção. Estes asnos que, se convidados a tal, venderiam as próprias mães a troco de qualquer mordomia, cobardes até ao tutano, peroram alarvemente sobre direitos humanos – os direitos que apenas os da casta a que pertencem podem desfrutar – ao mesmo tempo que exigem a punição dos povos que persistem em afrontar o império de que Bush é ponta degradante.
Que nojo, senhores!

sexta-feira, 5 de maio de 2006

Saudade


Há momentos em que não posso
Em que não sou
Macera-me o corpo
A inacção por te não ter
Por não te ouvir
Por não te ver
Ainda agora – posso jurar!
Aqui estavas
Mãos nas minhas
E promessas
E desejos
E coragem
Sonhos
Vontade
Futuro
Em tudo existias
Agora mesmo
Ou já foi ontem, mãe?
Não era tua a voz
Que me trouxe do sono?
Que me alentou?
Quem me chamou então?

As teias que a máfia tece

Do Correio da Manhã

“Durante a 174.ª audiência foi ouvido um antigo aluno da Casa Pia, que frequentou a instituição nos anos 80 – foi colega de ‘Teresa C’ –, e que em inquérito referiu ter sido levado por ‘Bibi’ a casa de Jorge Ritto, onde disse ter visto Carlos Cruz.

Ontem, porém, o ex-casapiano, de 40 anos, afirmou que nunca teve em casa do embaixador e que nunca tinha visto o apresentador. Os advogados da Casa Pia requereram o confronto com as declarações prestadas em inquérito, o que inicialmente foi negado pela defesa dos arguidos, mas o ex-aluno manteve o que disse na sala do Tribunal.

A testemunha alegou que foi pressionada por Adelino Granja e por Pedro Namora, o que levou o advogado de ‘Bibi’, Ramiro Miguel, a pedir também extracção de certidão para ser remetida à Ordem dos Advogados. João Aibéo não ficou convencido com a explicação e deu ordem para procedimento criminal por falsas declarações.”

Apenas três comentários:

O primeiro para sublinhar que, apesar de o meu nome ter sido referido nas notícias, nenhum órgão de comunicação social me procurou, ao contrário do que fizeram com um ser abjecto de Alcobaça, para comentar o que me é imputado e é absolutamente falso. O ex-aluno que foi ouvido tem 40 anos e os crimes de que foi vítima na década de oitenta não podem já ser julgados.

O segundo para reafirmar o que desde o início das manobras dilatórias denunciei: por este caminho, ainda vai aparecer alguém a garantir que as crianças é que violaram os pedófilos. Não há dúvida de que a máfia trabalha bem…
O terceiro para alertar: isto não passa de foguetório para iludir o que verdadeiramente está em discussão e interessa silenciar. Dezenas de crianças violadas exigem reparação, o que passa sobretudo pela conclusão do processo que está em julgamento e que se vai arrastando com sucessivas manobras dilatórias.