Da varanda do Hotel, o homem observava os putos empoleirados no muro, namorando o azul convidativo da piscina. Eram cinco meninos andrajosos, sujos e seguramente famintos. Mas nada lhes interessava mais do que aquelas águas maravilhosas.
O homem gritou-lhes a pergunta desnecessária: querem tomar banho na piscina? Os meninos anuíram, mas invocaram temerosos os empregados do Hotel. “Quem manda aqui sou eu - retorquiu o hóspede - e se vos perguntarem digam que vos autorizei o banho.”
Como por magia, no instante seguinte os meninos mergulhavam felizes, alheios aos parcos turistas que nas cadeiras recebiam sol. Minutos depois, um empregado aflito desfez o sonho e enxotou as crianças, ainda molhadas e com as roupitas nas mãos, para fora da cidadela dos protegidos. O hóspede, ainda assim contente, recuou para dentro do quarto mesmo a tempo de impedir que os deditos dos meninos indicassem ao diligente funcionário que “dono” lhes tinha concedido a autorização para o banho retemperador.
Esperou uns segundos na penumbra, para se certificar de que as crianças não seriam agredidas. Só depois se sentou na cama e recuou ao seu tempo de menino casapiano. Perto do campo de futebol, existia um tanque grande mas inacessível durante o dia, porque os gansos mais velhos o tomavam só para si. Por isso, nas noites quentes, o menino fugia da camarata e, sozinho, no tanque, imaginava-se a cruzar piscinas e a mergulhar até às profundezas do oceano. Nunca sentiu frio. Nem sequer medo. Apenas uma alegria imensa, que noite após noite reforçava.
Quando cresceu, passou a aventurar-se nas docas de Belém. Imunda água e depois? Nada podia substituir o prazer de um banho de mar nem a sensação de liberdade que propiciava.
Escrevi isto agora mesmo, porque acabei de ler um conto maravilhoso e sentido do meu querido amigo Sérgio Ribeiro, que ele garante ser ficção, e eu assevero ser vida, realidade, testemunho de muito daquilo que vivi e passei. Infelizmente, muitos Toinos e Zés, meus irmãos de condição, estão já mortos ou vagueiam por aí, perdidos para a vida, em consequência do abandono canalha de que foram vítimas. Muitos dos que os olham de soslaio, até com repulsa, são os responsáveis directos pelos seus infortúnios.
Tudo isso me faz sofrer imenso. Cresci com eles, ainda recordo os sonhos que acalentavam (o Carriço, o Luís e o irmão Francisco, o Barros Costa, o Zé Maria, o Mansabá, o Agostinho, o Vasco e tantos outros…). De repente desapareciam e só os recuperávamos mortos, numa idade em que se não morre.
Como é que se vive com isto? Como é que se suporta a ideia de que, se nesse tempo tivéssemos, na Casa Pia, um Sérgio Ribeiro ou uma Catalina Pestana, poderíamos hoje estar juntos e felizes. Nós e os nossos filhos. Nós e as nossas vidas. Nós e os sonhos todos que sonhámos em conjunto.
Obrigado Sérgio Ribeiro. E podes crer que o Tóino há-de viver feliz por ter ter como amigo.
10 comentários:
“O Puto Reguila”, um conto tão doce, com uma realidade tão amarga!
É assim o Sérgio escritor, amigo, camarada! Um homem bom, tão muito solidário.
Contudo, comoveu-me muito a tua narrativa. Deixou de ser ficção, a realidade dói e nem sempre a vemos, como na dura realidade é!
Talvez aqui por ser uma terra de turismo, quando estamos no café, os putos só nos dizem: “posso “amandar” vir?” escolhem a bebida e os bolos com ansiedade, lanchando calmamente. não gostam de muitas perguntas, nem querem ser interrompidos enquanto vêm a TV. É uma prática habitual! ninguém lhes nega o lanche, era o que mais faltava!
Parecem gaivotas! bonitas, olhar intenso, independentes, gulosas e não gostam de ser pressionadas. Após o lanche, correm porta fora! Para outro café, casa, rua? Voam para a sua “liberdade”.
Ninguém fica indiferente com a tua descrição, uma realidade (!) tão presente e sentida na tua memória!
Não houve nesses tempos tristes e cinzentos um olhar presente, uma mão amiga.
Hoje há! Sérgios, Catalinas, Américos, Antónios, e o Pedro. Tudo arriscam para ver um sorriso no rosto de uma criança, lutam para que as crianças tenham sonhos felizes!
Vão conseguir! Têm que conseguir!
Porque as crianças de hoje e os Pedros de ontem, merecem!
Desejo que sejas muito feliz!
GR
Também li a estória do Sérgio...
E tu agora deixaste-me sem palavras, Pedro....
Apenas com uma enorme vontade de te deixar um grande abraço...
Impressionante este texto!
Ao mesmo tempo ternurento mas forte em emoções.
Vamos ter esperança de que hoje os gansos tenham mais sorte e que se faça justiça!!!
e vale sempre a pena lutar pelos nossos sonhos...
Imagino o que é viver situações como estas que descreve da perda dos amigos-irmãos. O que para mim são histórias para si foram realidades dolorosas. Não tenho dúvida que a resiliência existe quando o vejo na TV, quando o ouço e leio. Mas sabemos que nem todos conseguem essa sobrvivência admirável.
Há muitos a precisar de vozes para os defender porque estão destroçados e por vezes pagam com a vida física ou psicológica... Quando o leio assim sinto uma revolta que me faz desejar que os agressores passem algum dia o que muitos miúdos passaram e passam... que tenham perdas incomensuráveis, que sofram... Mas depois levanto-me e penso que a minha energia deve ser bem utilizada como a sua e tentar chegar aos calcanhares da sua coragem, fazendo mais uma voz para defender estas crianças... Mais uma vez a minha admiração e ainda bem que existem Pedros Namora e Catalinas Pestana. As crianças precisam bem de voçês... de todos nós...e nós precisamos de estar presentes para continuarmos a poder ver a nossa imagem no espelho todos os dias... Vale a pena. Obrigada
Imagino o que é viver situações como estas que descreve da perda dos amigos-irmãos. O que para mim são histórias para si foram realidades dolorosas. Não tenho dúvida que a resiliência existe quando o vejo na TV, quando o ouço e leio. Mas sabemos que nem todos conseguem essa sobrvivência admirável.
Há muitos a precisar de vozes para os defender porque estão destroçados e por vezes pagam com a vida física ou psicológica... Quando o leio assim sinto uma revolta que me faz desejar que os agressores passem algum dia o que muitos miúdos passaram e passam... que tenham perdas incomensuráveis, que sofram... Mas depois levanto-me e penso que a minha energia deve ser bem utilizada como a sua e tentar chegar aos calcanhares da sua coragem, fazendo mais uma voz para defender estas crianças... Mais uma vez a minha admiração e ainda bem que existem Pedros Namora e Catalinas Pestana. As crianças precisam bem de voçês... de todos nós...e nós precisamos de estar presentes para continuarmos a poder ver a nossa imagem no espelho todos os dias... Vale a pena. Obrigada
Só um HOMEM de um coração e humanidade incomensurável, como o Pedro Namora, com tamanha disponibilidade para amar e defender os seus 'irmãos'
Importa estar atento ao que se passa nos Açores. Acreditem que vão ter .... pedofilia à solta!!!
Pedro
a tua formação como HOMEM integro humanista e solidário, é a garantia maior para as crianças da Casa Pia.
Bem hajas pela tua convicção e pureza de sentimentos. Eu sei que não é tua intenção mas...conseguiste emocionar-me!Um abraço Pedro
José Manangão
Pedro
a tua formação como HOMEM integro humanista e solidário, é a garantia maior para as crianças da Casa Pia.
Bem hajas pela tua convicção e pureza de sentimentos. Eu sei que não é tua intenção mas...conseguiste emocionar-me!Um abraço Pedro
José Manangão
Dr. Pedro não há palavras para descrever o gesto de coragem e a atitude moral que o senhor tem em favor dos descamisados primeiro vítimas do destino e seguidamente vítimas da crueldade humana.
Apenas desejo que Deus lhe dê força para continuar essa lide e para continuar a ser o causídico - oficial - deste rebanho de desnutridos de azar que um dia caíram nas garras dos lobos do poder.
Saudação com vénia.
E sem querer abusar convido-o a visitar-me no www.arguidocastrense.blogspot. com
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