"Meninas da BR" cobram R$ 5 no Ceará
Entre as "meninas da BR", como são conhecidas as crianças e adolescentes que se prostituem nas estradas do Ceará, há desde viciadas em crack até menores que buscam dinheiro para sustentar a família. O abuso sexual dentro de casa é um dos fatores mais recorrentes na história dessas pessoas, assim como a miséria, a desestruturação familiar e o uso de drogas.
M.M., 15 anos, sai todas as noites para esperar clientes na pista da BR-116, em Fortaleza. A irmã, J.M., um ano mais nova, espera ao lado. No rosto de M., as marcas do vício em crack. "Comecei a vir para a BR há três meses. Foi por causa do meu padrasto. Ele se deita comigo desde que eu tinha 11 anos." Na rua, a menina disse que costuma usar camisinha, "menos com dois fregueses, um policial e um delegado, que são de confiança". O programa custa R$ 10, mas ela faz até por R$ 5, dependendo do movimento do dia. M. contou que estudou até a 5ª série e que seu maior sonho é voltar para a escola.
A única política pública que poderia ajudá-la é o Projeto Sentinela, programa do Ministério da Previdência e Assistência Social que começou a funcionar há um ano e meio. Pouco mais de 300 municípios em todo o país têm essa cobertura, com uma meta de atender 17.130 crianças que sofram qualquer tipo de violência, desde a sexual até maus tratos, um número muito abaixo da demanda estimada. Este ano, os gastos com o projeto foram de R$ 17,5 milhões.
Fortaleza é um dos municípios atendidos. Mas não existe na cidade uma instituição onde crianças e adolescentes do sexo feminino possam ser desintoxicadas das drogas, disse Renato Roseno, coordenador do Cedeca (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente) do Ceará. Há uma delegacia específica para atender meninas exploradas, a Dececa (Delegacia de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes), mas que fecha às 18h. Mesmo a Polícia Rodoviária Federal, caso flagrasse um agressor com uma criança, não teria para onde levá-la à noite.
"Há uma coisificação da criança, que não é tratada como cidadã", disse Angelo Motti, coordenador nacional do Projeto Sentinela. "A criança é vista como um adulto incompleto, um ser inferior. Não tem credibilidade diante dos adultos. É preciso haver uma maior consciência de proteção à criança para evitar novos casos, a família tem de começar a ouvi-la, a acreditar no que ela diz." "A sociedade pode se mobilizar e denunciar os casos de violência, o que já tem acontecido, mas é papel do poder público ter projetos permanentes de atendimento às vítimas, o que ainda é muito insuficiente", afirmou o coordenador do Cedeca.
Na mesma BR-116, a pouco mais de cinco quilômetros de distância de onde ficaram M. e J., pelo menos 20 mulheres tentavam conseguir clientes em um posto de gasolina, ponto onde caminhoneiros param para dormir. Maria do Socorro Gomes, 49, há sete anos faz ponto ali, mas ela começou a se prostituir aos 19 anos, em Alagoas, onde nasceu. Ela não vai sozinha ao posto. A sobrinha L.C.G., 16, a acompanha há um ano. Com medo de ser pega pela polícia, ela diz que tem 19 anos. L. começou a sofrer abusos sexuais aos 7 anos e já tem uma filha de 3, que mora com a avó, em Alagoas. "Meu sonho é trazê-la para viver comigo, mas minha mãe não deixa nem falar com ela", disse.
KAMILA FERNANDES, da Agência Folha, em Fortaleza
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