quinta-feira, 8 de março de 2007

FASCISMO NUNCA MAIS!

Na sequência do que vem acontecendo um pouco por todo o mundo, também em Portugal se pretende reescrever a História.
Está mesmo criado um clube informal para esse fim. A primeira regra a observar pelos que pretendam aderir ao ajuntamento que pretende apagar 48 anos de ditadura fascista, é nunca pronunciar a expressão "fascismo". O mais a que podem aspirar os detentores de algum resquício de memória desses tempos, se quiserem obter as boas graças dos fascistóides em função, é, com trejeitos de boca preferencialmente, ciciar com volúpia a expressão "Estado Novo".

De fascistóides a adeptos do PS e do BE, o movimento tem ampla cobertura noticiosa e apoio nos media servis. Decidi por isso recuperar excertos de um artigo de Baptista Bastos alusivo ao tema e recolhido no blogue O Hermínio.

“ De vez em quando, a questão do fascismo português, se o foi ou não, reacende uma polémica que deixou de fazer sentido. Claro que houve, em Portugal, uma variante do fascismo, como variantes o foram na Roménia, em Espanha, no Brasil, no Chile no Uruguai e um pouco por toda a América Latina. Esquírolas fascistas manifestaram-se, em épocas distintas, nos Estados Unidos. Basta ler e possuir honra intelectual, por escassa que seja. (…)

O revisionismo não deixou de estar na moda e obedece a imperativos ideológicos de que o nosso tempo é fértil. Frequentando (mesmo com discreta assiduidade) historiadores como Renzo De Felice ou Ernst Nolte, ou ler, por exemplo, "Une Generation dans l’Orage", de Brasillach; "LesMemoires d’un Fasciste", de Lucien Rebatet; "Journal - 1939/1945", de Drieu La Rochelle; ou "Le Tournant", de Klaus Mann, apercebemo-nos da índole metastásica do fascismo, e da tendência de uma "revisão" da História, que vai ao extremo de negar o Holocausto.

A bibliografia entre nós publicada é, também, volumosa, e fornece indícios capazes de se estudar e avaliar a dimensão do fascismo português, das bases filosóficas sobre as quais assentou a sua doutrina, e da ideologia que lhe foi própria. Salazar tinha, na secretária, o retrato autografado de Mussolini, e copiou a químico as características do regime italiano, colorindo-as com umas aguareladas nazis. A Igreja, que abençoara Hitler, Mussolini e Franco, persignou, com transporte e unção, o seminarista de Santa Comba. Designar os quarenta e oito anos por que Portugal viveu, de amena ditadura conservadora e católica, constitui uma indignidade de quem assim formula, e um ultraje inqualificável aos milhões de portugueses sacrificados pela violência do regime - fascista, é bem de ver!

Tudo isto está escrito em livros, documentado em filmes, fixado em depoimentos, estudado por historiadores não inebriados pelo ar do tempo. É ocioso, por inútil, negar a evidência dos argumentos. Mas não o será, porventura, reavivarmos a memória - para que as coisas não voltem a acontecer. Foi George Santayana, e não Marx, quem escreveu: "Aqueles que esquecem o passado estão condenados a repeti-lo". É impossível limpar a superfície ideológica do fascismo português, assim como é extraordinária a relativa impunidade de que a Igreja beneficiou, tanto na demonologia da Esquerda, como na crítica dos católicos "progressistas", alguns, agora, muito propensos à escrita beata, admitidamente apavorados com a proximidade da morte. (…)

Negar a existência e a prática do regime fascista, que dominou o País durante quase meio século, é contribuir para que as raízes do mal persistam e se continuem, através de "idiotas úteis", que desacreditam os utensílios históricos por eles pretendidamente utilizados, e agem através do recurso a superstições ou a desejos confundidos com a realidade. (…)

A impugnação da verdade corresponde a um acto canalha. Entende-se que os adeptos do colaboracionismo fascista não desejem ser apontados à execração. Num admirável ensaio, hoje clássico, "L’Illusion Fasciste", Alastair Hamilton esclarece: "A ligação feudal do colaborador ao seu amo possui um aspecto sexual. O estado de espírito da colaboração adivinha-se como um clima de feminilidade. O colaborador fascista fala em nome da força, mas ele não é a força: é a manha, a astúcia que se apoia na força". De certa forma, assim pode ser justificável a posição dos que defendem a inexistência de um fascismo português. As ambivalências de carácter ocultam, habitualmente, um espírito perverso e um temperamento fisiologicamente dúbio. O fascismo português foi, como todos os outros, uma forma específica do estado de excepção numa sociedade capitalista. Apoiado pelo grande capital e pelos grandes senhores do latifúndio, acentuou, sistematicamente, a hierarquia dos salários, e organizou (com extrema eficácia, diga-se) a divisão da classe operária, cuja crise ideológica se tornou cada vez mais evidente e intensa.”

3 comentários:

António Conceição disse...

Vejamos. Descontadas as paixões, a questão assemelha-se muito à velha questão de saber se em Portugal houve ou não feudalismo. E tem uma natureza essencialmente semântica.
Se por "fascismo" entendermos qualquer ditadura anti-comunista, então é evidente que o regime de Salazar foi fascita.
Mas se por fascismo entendermos o regime de Mussolini em Itália, é muito duvidoso que em Portugal tivese alguma vez havido um regime fascita.
É verdade que Salazar chegou a ter na secretária uma fotografia de Mussolini (e não era certamente para lhe cuspir em cima, cvomo notou o Prof. António José de Brito). Mas também é verdade que a retirou muito antes de Mussolini ter caído em desgraça, desiludido com o ditador italiano.
Há diferenças sensíveis, a saber:
1- O fascismo era um regime de partido. A União Nacional nunca foi um verdadeiro partido. Nunca foi da União Nacional (mas da universidade) que saíram as elites dirigentes do salazarismo;
2- Ao contrário de Mussolini, Salazar não era militarista. Instrumentalizou os militares (como instrumentalizou a Igreja), mas não se revia pessoalmente nos valores e na ética militar;
3- Ao contrário de Mussolini, Salazar detestava as massas. As multidões arrepiavam-no. O português modelo não era para ele - como era para Mussolini o italiano modelo - o indivíduo arrebatado e militante, capaz de se integrar, disciplinado, numa força revolucionária e violenta. Para Salazar, o português modelo era o cidadão pobrezinho e honrado, provinciano e patego que não se metia em política e detestava os políticos, vivendo tranquilo a amanhar, conformado, as suas courelas. Foi por isso que ele não se entendeu com António Ferro. Ferro era genuinamente fascista. Por causa desta característica de Salazar, a Legião Portuguesa, p. ex., nunca chegou a ser o corpo de combate que os verdadeiros fascitas do regime gostariam que tivesse sido.
4- Salazar não apreciava particularmente a violência. A violência não era para ele uma forma activa de fazer política, como era para os verdadeiros fascistas. A violência via-a ele a exercer apenas de forma individualizada, como "um safanão a tempo", para abrir os olhos àqueles que não quisessem aceitar a sua verdade. Com Salazar não houve violência de massas, com assaltos aos quartéis generais dos seus inimigos, levados a cabo por multidões às suas ordens. Ele detestava as multidões, repito.
Ele queria um povo ordeiro, respeitador, submisso, humilde, tradicionalista, conformado. Exactamente o contrário daquilo que era o verdadeiro fascismo italiano.
Autoritário e anti-comunista?
Naturalmente, mas só nessa medida se pode aplicar a Salazar o qualificativo de fascista.

Unknown disse...

Como se pode ver pelo comentário antecedente, os que negam o fascismo em Portugal, à falta de melhor argumento, refugiam-se na invocação de argumentos formais.
Evidentemente, o fascismo salazarista teve características próprias, mas foi fascismo, quer dizer, foi perseguição, tortura, morte, dor, censura, Tarrafal, foi a Pide, foi a supressão das mais elementares liberdades, foi saque, colonialismo, menorização da mulher , atraso no desenvolvimento do País, foi roubo das riqyuezas nacionais, foram milhares de bufos a vigiar os portugueses,a impor silêncio, foi medo, foi guerra.
colonial, foi analfabetismo.
Dizer que salazar não apreciava a violência é uma ofensa aos milhares de portugueses que foram vítimas da sua violência cobarde, das suas hordas sanguinárias, dos seus despachos semanais com o director-geral da Pide.
Dizer que o criminoso Salazar não apreciava a violência talvez fique bem num hipotético museu laudatório, mas não deixa de ser uma deturpação da realidade.
Talvez Funes não saiba das cargas policiais, das torturas, dos assassinatos. Talvez funes ignore quem foi José Dias Coelho, Francisco Miguel ou Militão Ribeiro .
Talvez não siba, o que é altamente improvável, pois além de ser advogado é professor universitário. Ora essa improbabilidade remete-nos para o cerne do problema: os que defendem Salazar o que pretendem é reabilitar o fascismo e tudo o que dessa reabilitação decorre. Por exemplo: se não houve fascismo, não houve resistência ao crime, não houve luta corajosa, abnegada, única quantas vezes, do Partido Comunista Português.

António Conceição disse...

Ora bolas, meu caro Pedro Namora,
você finge que não compreende o que eu disse.
Em primeiro lugar, eu disse que Salazar detestava a violência organizada das massas e você atira-me com uma série de nomes que se limitam a confirmar o que eu disse.
Claro que eu sei quem foram José Dias Coelho, Francisco Miguel ou Militão Ribeiro. E mil outros mais que poderiam ser nomeados,a começar por Catarina Eufémia e a acabar em nomes que não podem ser nomeados, porque a sua resistência não chegou a sair do anonimato.
Mas o Pedro Namora não encontra - nem podia encontrar - no Salazarismo um incêndio do Reichstag ou uma noite dos facas longas, p. ex.
Não estava na natureza de Salazar esse tipo de fazer política.
Foi isso e só isso que eu disse.
Houve polícia política, tortura, prisões sem lei nem Direito, julgamentos que foram uma farsa, condenações arbitrárias e despóticas?
Claro que houve.
Mas se vamos usar isso como critério, então, Pedro Namora, terei que o ver classificar o estalinismo de fascismo.
De resto, a minha tese não é particularmente distinta da que, por exemplo, defende Fernando Rosas que, muito embora pertencendo a um partido político que não é caro (por boas razões, diga-se) ao PCP, julgo não ser suspeito de morrer de amores pelo fascismo.
Finalmente, eu estou tão interessado na reabilitação de Salazar como o estou na reabilitação do Marquês de Pombal.
O salazarismo passou.
Claro está que anda por aí muita gente destituída de cérebro a proclamar a falta que Salazar faz.
É apenas uma atoarda.
Nem salazar compreenderia o mundo e o Portugal de hoje, nem os portugueses se disporiam a perder o tempo, por um segundo que fosse, a ouvir Salazar.
Nada disto significa que não haja - e de forma cada vez mais séria e preocupante - uma questão social que importa ter em linha de conta. O desequilíbrio entre muito ricos e muitos pobres está hoje, de novo, cada vez mais acentuado e, face à indiferença absoluta do poder dominante com o problema, postulará, a médio prazo, respostas que serão inevitavelmente violentas.
Nada disso, porém, tem já que ver com fascismo ou comunismo. Momentos históricos definitivamente encerrados e superados.
Ponto final.