terça-feira, 4 de abril de 2006

O BILTRE

No final de mais uma sessão de julgamento, Serra Lopes disse aos jornalistas que não acredita que as vítimas do processo Casa Pia tenham ficado traumatizadas com os abusos sexuais, acrescentando que "as pessoas que se profissionalizam na mais velha profissão do mundo não ficam com grandes traumas por isso."

É esta a dimensão moral da personagem: perante a dor profunda de vítimas selvaticamente violadas, vomita barbaridades, ciente de que a ele tudo será permitido pela mesma Ordem de Advogados que persegue cidadãos por defenderem as crianças. Mas este agressor das vítimas não está sozinho, nem é original. Antes dele, um famoso psiquiatra, defensor zeloso dos arguidos, mas que surge no processo mascarado de perito, ousou dizer que "a auto-estima de uma pessoa melhora se for violada por uma pessoa famosa".

Além do mais e como refere Anne C. Salter, “A história da psicologia ao longo do último século está repleta de teorias que negam a ocorrência de abusos sexuais, que ignoram a responsabilidade do criminoso, que culpam a mãe e/ou a criança quando o abuso é, de facto, reconhecido, que minimizam as consequências. Trata-se de um capítulo lamentável na história da psicologia, mas não é apenas vergonhoso, é também desconcertante. A hostilidade contra as vítimas infantis e as mulheres adultas está infiltrada nesta bibliografia como veneno.”

Na verdade, Serra Lopes é um seguidor de Levine, só que demasiado cobarde para o assumir. Cito de novo Salter:

“No mundo de Levine, não há qualquer problema se as crianças de doze anos tiverem relações sexuais. E não se trata apenas de sexo em si que Levine recomenda no seu livro, trata-se de sexo com homens mais velhos. “Os adolescentes com frequência procuram ter relações sexuais com pessoas mais velhas, e fazem-no por razões compreensíveis: uma pessoa mais velha fá-los sentirem-se atraentes e adultos, protegidos e especiais; frequentemente o acto é melhor do que seria com um coetâneo que tem tanta perícia quanto ele. Para alguns adolescentes, um romance com uma pessoa mais velha pode parecer-lhes mais uma salvação que uma agressão”.

Na verdade, Serra Lopes, é um seguidor de RIND, só que demasiado cobarde para o assumir. Socorro-me de Salter, para ilustrar a ignomínia:

“Na perspectiva de Rind e respectivos colegas, os miúdos ou são forçados a manter relações sexuais através da violência ou então “consentem”. A implicação subjacente é que as crianças e os adolescentes se encontram em pé de igualdade com os adultos. Presume-se que ou os pedófilos adultos não tentam manipular e ludibriar as crianças para terem relações sexuais, ou trata-se de uma situação em que os miúdos podem e devem desenvencilhar-se sozinhos. Mas a primeira é um absurdo e a segunda injusta. Não fui eu certamente a única a constatar que os criminosos manipulam as crianças, nomeadamente concedendo favores especiais, dinheiro ou roupas.”

A partir de agora, entende-se bem a motivação desta personagem no processo e a razão que lhe orienta a defesa que sustenta.

1 comentário:

Sérgio Ribeiro disse...

Que desprezo pelos que, crendo-se fortes, porque ricos, porque aparentemente poderosos, desprezam os outros... porque são os outros, porque não nasceram em berços de ouro e disso tantos se aproveitam, porque não lhes pagam a pusilanimidade, a desumanidade de serem servos ao taximetro, embora com tarifas gordas.
Força, Pedro e todos os que lutam. Sempre.