segunda-feira, 23 de outubro de 2006

O sofista Flores



Moita Flores, que na passada semana prestou declarações em tribunal, foi desmascarado: afinal o que reiteradamente escreveu sobre as vítimas, difamando-as, era mentira. Interrogado corajosamente por José Maria Martins, foi obrigado a reconhecer, nome após nome, que não conhecia nenhuma das muitas crianças abusadas sexualmente. E no entanto permitiu-se afirmar que os miúdos eram bandidos da pior espécie…

Confirma-se, assim, o que, em resposta a um ataque que me dirigiu, escrevi há um ano no Correio da Manhã, sob o título "O sofista Flores": "(...) É uma pena que o personagem se encontre em tão avançado estado de decomposição. Começou, em Novembro de 2002, por se colocar incondicionalmente ao lado das vítimas da barbárie. Então, o único arguido de que se falava era o Bibi, e Moita escreveu um artigo clamando por justiça e elogiando o autor destas linhas, Catalina Pestana e os que dirigiam a investigação.
Tempos depois, porém, mudava de azimute e entregou-se à tarefa de atacar a investigação. Um dos ataques mais violentos às crianças vitimadas partiu da sua prestativa caneta e Flores pôde ficar-se a rir, grosseiro, porque os miúdos não têm quem lhe exija responsabilidades. Lamento que o professor que tanto admirava tenha soçobrado ante a necessidade de se mostrar útil aos poderosos. Quem quiser estudar a sabujice e adulação tem que ler o tratado que Moita escreveu sob a forma de carta a Ferro Rodrigues. Nesse documento, junto aos autos, Flores desnuda-se e o que se vê indigna até as pedras da calçada(...)".
Agora, o Dr. josé Maria Martins escreveu no seu blogue um texto que não resisto a transcrever:
Domingo, Outubro 22, 2006

A "coltura" e a "ética" do dinheiro

Parece que o dinheiro compra tudo: cavalos , parelhas e montes. Arisóofanes, um escritor grego , produziu uma das mais belas obras sobre a riqueza, o poder do dinheiro, obra denominada "Pluto", que em grego quer dizer dinheiro e riqueza. Escreveu ele, num dado momento dessa obra, pondo em diálogo dois escravos e ele próprio:
"Pluto - Que dizes tu? É por minha causa que lhe fazem sacrifícios?
Crémilo - É o que te digo. E por Zeus, se há alguma coisa de brilhante, belo e agradável aos homens, é graças a ti que acontece. Tudo está submetido à riqueza.
Carião - Eu, por exemplo sou escravo por causa de meia dúzia de patacos, eu que antes era livre.
Crémilo - E dizem que as prostitutas de Corinto quando um pobre , por acaso, as tenta, nem sequer lhe prestam atenção. Mas se é um rico , logo lhe oferecem o cu."

Ora, caros amigos, isto está hoje, quase 2.500 anos depois, igual. O Dr. Moita Flores é co-autor de um livro sobre o escândalo sexual do Estado Novo, o aproveitamento de grandes senhores do regime da miséria de prostitutas e das filhas menores, que eram vendidas para o prazer dos valentões, ministros, banqueiros, padres e quejandos. Escreve Moita Flores ( e Felicia Cabrita) num dado passo da obra "Ballet Rose", pondo em diálogo o agente da PJ , o Afonso , a quem foi distribuido o processo e que estava aflito, com o inspector da PJ , o doutor Josue , que lho mandou investigar:

" - Vossa Excelência leu nos nomes que constam da informação?
- Li - Respondeu , imperturbável.
- Desculpe , eu sei que não é da minha conta, mas Vossa Excelência não acha que estamos a ir longe de mais? Há aqui nomes que são referências do regime, gente importante , poderosa. Não sei, senhor inspector!
O inspector Josué decidiu olhá-lo de frente.
-Está com medo?
-É muito perigoso, senhor doutor, e eu só tenho este emprego. Não sei fazer mais nada! - balbuciou, nervoso.
Fechou a caneta e olhou distraído para a janela. A pergunta colheu Afonso de surpresa.
- Tem filhos, Afonso?
-Desculpe, não percebi...
-Perguntei-lhe se tem filhos!
-Não , por acaso não - gaguejou.
- É pena . Talvez compreendesse melhor porque é que não podemos ficar de braços cruzados! - De repente as palavras tornaram-se metálicas - Quero descobrir tudo. Homens, mulheres, crianças. Quero aí preto no branco, quem dorme com mulheres, quem se deita com as miúdas, quanto pagam, onde o fazem e, sobretudo, perceber!...
Afonso estava desorientado.
-Perceber?!...
-Perceber o prazer que alguém pode ter em prostituir crianças. Crianças, agente Afonso. Não lhe causa repugnância?
-Sim, claro.
-Então cumpra o seu dever ."

Bom, a verdade é que tudo isto é hoje igual. Mudam-se os tempos mudam-se as vontades. A choldra é a mesma. Os "senhores de qualquer regime" só clamam por justiça quando não são eles a estar na corda bamba. Os escribas são sempre a voz do dono: de Pluto. Antes e hoje."

4 comentários:

Maria disse...

Pedro
Hoje estou intratável. De raiva. De revolta.
Não consigo dizer mais nada, a não ser pedir-te que continues.
Ainda vale a pena lutar!
Um abraço

Unknown disse...

A luta vai ser longa, mas como todas as lutas conscientes das razões que lhes assistem vale a pena ! A acção do Dr. José Maria Martins é um exemplo de sanidade contra a putrefacção que reina na "justiça" portuguesa que em vez de ser igual para todos, continua a ser mais igual para uns do que para outros...
Não é possível continuar a proteger o Sol com a peneira. Há que ter coragem para continuar com a denúncia e desmascarar os agentes que a soldo, procuram deturpar a verdade e enviezar o rumo das investigações.
Um bem haja ao Dr. JMM e a todos que têm mantido a coluna vertebral bem hirta !

Unknown disse...

Caro Pedro

Não resisti a postar aqui um excerto de António Figueira no Blogue http://5dias.net/

Transcendente e sem aditivos tal a clarividência demonstrada.
Tudo isto a propósito de uam tese polémica e balofa de um professor da London School of Economics sobre o evolucionismo da espécie humana. Merece leitura atenta e é um estimulo à meditação sobre a descriminação social feita pelo própria super estrutura ou seja o Estado.

«O “caso Casa Pia” é uma ilustração notável da relação a que faço referência: temos aqui presentes o ser biológico cuja existência é absolutamente determinada pela condição social do nascimento (que a ordem política sanciona), a violência que paira sobre a criança que nasce no sítio errado e é inerente à própria ideia de infância desvalida, e finalmente a sua consumação de um modo inultrapassavelmente simbólico: aqueles menores foram confiados à guarda do Estado português, do nosso Estado incapaz e injusto, que na melhor das hipóteses lhes daria uma infância e uma adolescência a todos os títulos pobres, mas na pior, que se verificou, permitiu mesmo a violentação dos seus corpos por quem pôde e quis - e a violência sexual a que esses menores foram sujeitos é a expressão simbólica suprema da violência latente a que os seus corpos estavam sujeitos em razão somente da sua origem social.

O que há de pior, de mais repugnante na ideologia vulgar que se destila a propósito do “caso Casa Pia” e de outros semelhantes é a insinuação da cumplicidade dos menores em causa: não foram as condições sociais da sua existência que fizeram deles vítimas; foi a sua própria perversidade, presume-se que inata. Este discurso (que tende caracteristicamente a obscurecer a verdadeira relação entre a política e a biologia) procura estabelecer que o “outro”, o que não nasceu como nós, não partilha da nossa humanidade – como se aqueles que tiveram infâncias almofadadas e se atrevem a fazer considerações sobre as virtudes morais dos pensionistas dos orfanatos portugueses pertencessem a uma humanidade merecedora de algum respeito.

Eu não sei se Raymond Aron, que assumia a sua condição de judeu, era para além disso um homem de fé; em qualquer caso, para todos os bem-nascidos sempre prontos atirar a primeira pedra e (em casos como o da Casa Pia) mais dispostos a condenar as vítimas, por puro preconceito, do que os culpados, foi ele que escreveu, creio que a propósito de Durkheim e das suas fantasias sócio-religiosas, que a adoração da ordem social é a própria essência da impiedade.»
Esclarecedor, sem corantes nem conservantes !

Paulo disse...

«São inúmeros, e por vezes imperceptíveis, as maneiras como os afectos dão colorido ao entendimento e o contaminam. (Francis Bacon, Novum Organom - 1620-).

Naipaul, prémio Nobel da Literatura, «confessou» numa entrevista a uma rádio norte-americana que, em tempos, teve por hábito encontrar-se com prostitutas. Não mostrou arrependimento, agradeceu e "apesar do carácter estritamente físico dos encontros" terminou dizendo que "às vezes esse carinho é necessário" (in, Visão, 8/11/2001, p.28).

Moita Flores, - meu professor no curso de Pós-graduação em Ciências Criminais - para mim é um homem demasiadamente preocupado com a sua promoção pessoal..., enquanto pai e investigador tinha o dever moral - e não a obssessão pelo protagonismo - de discutir, isso sim..., questões que entendemos como centrais, por exemplo: Porque é que as crianças se deixam atrair por certas pessoas? E porque é que certas profissões escondem tanto este tipo de pessoas? Numa sociedade como a portuguesa, em que o saber se tornou uma coisa tão operativa, não será que uma «vocação» religiosa e, demais, de natureza análoga, que envolve entre outras funções o cuidar de crianças, deve ser também observada em termos de avaliação criteriosa, para sabermos da sua competência para os respectivos desempenhos?

Numa época em que se afirmam tanto os valores da liberdade e auto-determinação sexual, sustento que os crimes sexuais constituem a parecela da Criminologia mais obscura e mitificada.

«tal como as crianças tremem e receiam tudo na escuridão profunda, também nós por vezes receamos na luz o que não há mais razão para recearmos - as coisas que aterrorizam as crianças no escuro... » (Lucrécio, Acerca da Natureza das Coisas - ca;60.a.C -).



Um abraço e boa sorte para si.

Paulo