segunda-feira, 20 de junho de 2005

AQUELA MENINA LINDA, NEGRA, DE OLHOS MEIGOS...


A menina, linda e negra, de olhos meigos e cara serena, brutalmente agarrada por um pequenino furriel de bigode, comando na guerra colonial, não chorou. Nem quando o fio da baioneta lhe foi encostado à garganta pelo furrielzinho valente, que procurava, desta forma, obter a denúncia da existência de «turras» naquela região do Leste de Angola.
A menina, negra e linda, tinha uns oito ou nove anos. Não mais. A sua expressão, assustada mas serena, foi talvez o que mais me impressionou nos longos 26 meses que durou a minha comissão em Angola. Apesar das angústias, das ansiedades, dos medos, dos traumas causados pela presença constante da morte.
Eu encontrava-me a uns cinco metros daquela cena, repulsiva e bela, completamente impotente, mordendo a língua para não gritar a minha vergonha por ali estar, ao lado dos «heróis» armados, atacando aldeias indefesas, incendiando palhotas, ameaçando de morte aquela menina linda, negra, de olhos meigos e rosto sereno.
Que não chorou. Que não gritou. Que balbuciava apenas: - «Não sei». «Não sei».
A menina venceu a batalha.
Os altos comandos que dirigiam a operação ter-se-ão convencido da sua sinceridade, desarmados por aquele rosto sereno e lindo.
Os pais da menina, que estavam a ser interrogados ali ao lado, foram também, por aquela vez, libertados.
Não sei se aquela menina linda, negra, de olhos meigos e cara serena, terá sobrevivido a outras operações do exército colonial, a outros furrieizitos valentes, a outras pontas de baioneta.
Não sei tampouco se aquela família participava activamente na luta pela libertação do seu povo, ou se apenas labutava arduamente para garantir a sua própria sobrevivência.
Mas sei que aquela menina negra, linda, de oito ou nove anos de idade, de olhar meigo e sereno, não chorou.
Perante a ameaça da morte, não implorou. Não ajoelhou nem mendigou o perdão dos seus possíveis algozes.
Por isso sei também que aquela menina, para além da batalha, ganhou também a guerra. Com a sua tez negra. Com o seu rosto lindo. Com os seus olhos meigos. Com o seu ar sereno. E, sobretudo, com a sua coragem de dizer silenciosamente: - «Esta terra é minha!!!»

Adventino Pinheiro de Amaro

10 comentários:

Paralaxe disse...

Esta menina linda, negra, de olhos meigos
Com a cara serena e expressão assustada
Mostra a todos, sejamos peritos ou leigos
Que a força da baioneta não vale nada.

Mesmo tendo sido brutalmente agarrada
E com a faca na garganta, não chorou.
E vendo seus pais presos na mesma laçada
Nem mesmo assim esta menina ajoelhou.

Mesmo perante a morte ela não mendigou
Só a ser sincera a criança se atrevia
Com a sua inocência, a guerra ela ganhou

Uns olhos meigos têm um grande condão:
(Talvez que sem saber, ela já o sabia)
Dar ainda mais força à força da razão
.................
Um abraxe do Paralaxe

Paralaxe disse...

Depois de aceder ao blog WebClub, lembrei-me de acrescentar o seguinte : Não foi desta menina que o António Gedeão recolheu a lágrima para analisar.
-------
um abraxe do Paralaxe

Anónimo disse...

MAIS DE UM MILHÃO, UMA LEGIÃO!
Vou
uma vez mais
correr atrás
de todo o meu tempo perdido
quem sabe, está guardado
num relógio escondido por quem
nem avalia o tempo que tem

Ou
alguém o achou
examinou
julgou um tempo sem sentido
quem sabe, foi usado
e está arrependido o ladrão
que andou vivendo com meu quinhão

Ou dorme num arquivo
um pedaço de vida
a vida, a vida que eu não gozei
eu não respirei
eu não existia

Mas eu estava vivo
vivo, vivo
o tempo escorreu
o tempo era meu
e apenas queria
haver de volta
cada minuto que passou sem mim

Sim
encontro enfim
iguais a mim
outras pessoas aturdidas
descubro que são muitas
as horas dessas vidas que estão
talvez postas em grande leilão

São
mais de um milhão
uma legião
um carrilhão de horas vivas
quem sabe, dobram juntas
as dores colectivas, quiçá
no canto mais pungente que há

Ou dançam numa torre
as nossas sobrevidas
vidas, vidas
a se encantar
a se combinar
em vidas futuras

Enquanto o vinho corre, corre, corre
morrem de rir
mas morrem de rir
naquelas alturas
pois sabem que não volta jamais
um tempo que passou

(Ou dançam numa torre...)

(Enquanto o vinho corre, corre, corre...)

De: Chico Buarque
In: "coincidências" 1983

PEDRO:

São mais de um milhão, uma legião!
Com forte abraço de solidariedade!

GR

Marco Oliveira disse...

E quantas meninas como esta não existiam?

Anónimo disse...

Dois passos em frente, um à retaguarda!

Se ontem, foi dado um passo atrás, colocando um jovem em maior risco, no seu dia a dia. Prolongando-lhe o medo e o sofrimento. Hoje, deu-se um passo em frente, ao reconhecer a necessidade da investigação do dito “blog”!
Amanhã, até pode ser que seja aceite o pedido do Dr. JMM , sobre a transparência, no Julgamento, para que os jornalistas possam assistir as audiências.

Pena que seja tão lento, trazendo dias de ansiedade e grande nervosismo (digo eu)!

Um abraço solidário,

GR

Anónimo disse...

Boas

Venho informar, que escrevi um artigo sobre a chamada luta contra a pedofilia, mas que deixa muito a desejar da parte de muitas pessoas, no meu blogue

abrupto, mas não tanto

e este blogue, embora em menor grau, é referido.
Se puder me elucidar (no blogue é melhor pois posso não encontrar este post novamente ), a mim e várias pessoas, agradeço

Cordialmente, mas com curiosidade,

e em nome das crianças
Paulo Quintela

Anónimo disse...

Nos princípios dos anos 70 Luís Cilia,cantava,

O MENINO NEGRO NÃO ENTROU NA RODA

O menino negro não entrou na roda
O menino negro não entrou na roda
das crianças brancas - as crianças brancas
que brincavam todas numa roda viva
de canções festivas, gargalhadas francas...

O menino negro não entrou na roda.

E chegou o vento junto das crianças
- e bailou com elas e cantou com elas
as canções e danças das suaves brisas,
as canções e danças das brutais procelas.

O menino negro não entrou na roda.

Pássaros, em bando, voaram chilreando
sobre as cabecinhas lindas dos meninos
e pousaram todos em redor.
bailaram seus vôos, cantando seus hinos ...

O menino negro não entrou na roda.

"Venha cá, pretinho, venha cá brincar"
- disse um dos meninos com seu ar feliz.
A mamã, zelosa, logo fez reparo;
o menino branco já não quis, não quis ...

o menino negro não entrou na roda.

O menino negro não entrou na roda
das crianças brancas.
ficou só, parado com olhar cego,
ficou só, calado com voz de morto.

Música: Luís Cília
Letra: Geraldo Bessa Victor

Anónimo disse...

Então Pedrinho, o Carlos de Castro chama-lhe "cara de bolacha" na sua crónica do 24 Horas, e apregoa em privado aos sete ventos, que o meu amigo gosta mais de meninos do que as formigas de açúcar ? (Granja Dixit)

É por isso que tem necessidade de "fugir" para o Brasil ? Realmente por cá vai ser dificil cultivar o seu gosto pelos prazeres mais alternativos.

Mesmo assim, se eu fosse a si, não descansava muito. Já viu o comentário que sobre si faz um leitor (devidamente identificado) ao site www.reporterx.net ?

É sempre um risco mandar calhaus aos telhados do vizinhom quando os nossos são de vidro MUITO fininho...

Anónimo disse...

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GR

Anónimo disse...

Pataton, Abrupto...

Chô, Cricas!