quinta-feira, 15 de setembro de 2005

“SAUDADES... NÃO TÊM CONTO!”

Dias Lourenço

«Relembrar o passado, em toda a sua amplitude
de ignominiosa sujeição, para acautelar o presente
e ajudar a construir um futuro»
( Orlando Gonçalves)
São testemunhos vivos, que não nos deixam esquecer uma das mais duras ditaduras de um passado ainda recente. Portugal viveu durante quase meio século a Ditadura Fascista. Respirava-se medo, censura, privações e humilhações constantes. O tormento das prisões e da tortura!
Dezenas de milhares de homens e mulheres, muitos deles jovens, perfilaram heroicamente, a luta contra a ditadura. Muitos foram presos, violentamente torturados, alguns barbaramente assassinados.
Em 1962, no Forte de Peniche (uma das prisões de alta segurança da PIDE), encontrava-se detido para além de centenas de outros lutadores pela Liberdade, um homem que tinha três filhos, António o mais novo.
Porque os pais estavam presos, o menino vivia com os padrinhos. Um casal de camaradas, que amavam o António, como se de um filho se tratasse! António, era carinhosamente tratado pelo pai verdadeiro, por Tonoc ou Tóinito. As visitas ao Forte Prisão de Peniche, não eram permitidas às crianças. A saudade era imensa, então o pai começou a escrever cartas ao filho. Como a censura, não permitia muitas palavras e o menino tinha apenas 5 anos, o pai enviava-lhe histórias desenhadas, em postais, (antigos Bilhetes Postais).

«Meu querido Toinito,
Desejo que estejas bonzinho de saúde. Tenho cá estado a pensar que já muito tempo não recebo uma carta escrita por ti......... Afectuosos abraços para os Padrinhos e mil e três beijinhos para ti do, Pai.».

Durante longos anos, este pai brutalmente torturado pela PIDE, escrevia histórias, ilustrando-as com um desenho. A ternura, o amor, a saudade, ajudavam a colorir a ilustração dos postais. António, fica doente, muito doente! Apesar de ter assistência médica e o auxílio solidário de todos os camaradas, a doença dita-lhe os dias. Tudo fazem para que o menino vá fazer uma visita ao pai e conseguem. É-lhe concedido uma visita de cinco minutos, dentro da cela! Cinco minutos, cinco curtos minutos, para abraçar, beijar, falar, recordar uma vida, tão breve e sofrida, pela doença e pelas garras do fascismo!
É chegado o dia! O pai com o coração destroçado, recebe-o alegremente! O menino timidamente, conta-lhe o que tem feito. O pai beija-o, abraça-o! Não tinha terminado o tempo, um pide avisa com toda a agressividade que a visita expirou! “Ainda não passou o tempo”, diz o pai amargurado! E logo o pide o cala com um desumano estalo! O menino aflige-se, está débil, assustado! O pai acalma-o, dizendo que ele (pide), é um brincalhão! A serenidade volta, o pai olha para o filho Toinito, beija-o, abraça-o, despede-se.... António/Toinito o Tonoc, viria a falecer poucas semanas depois, vitima de leucemia!
Esse pai chama-se, António Dias Lourenço. Tem hoje 91 anos de idade, continua a lutar com toda a sua força. Esteve preso por duas vezes, num total de 17 anos. Em memória do seu filho tão amado, presta-lhe uma homenagem, partilhando-a com todos nós! Junta todos os postais (graças à dedicação do casal, que tomou conta do Toinito), e faz um livro!
“SAUDADES... NÃO TÊM CONTO!”
É um belo livro! É um livro de afectos, de amor e muita cor! Mas é também um livro de dor!
Guida Rodrigues

2 comentários:

Unknown disse...

Obrigado, camarada e amiga, Guida Rodrigues: o texto, belíssimo, que me ofereceste enriquece muito este humilde blogue e é mais um contributo para a conservação da nossa história.

Sérgio Ribeiro disse...

A nossa história que se deve confundir com a dos antónios dias lourenços.