segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Se pudéssemos

Se nos deixassem ser humanos, naturalmente, sem termos que “sair à rua a horas certas”, para responder a necessidades que se vão sucedendo a um ritmo imparável, desde a solidariedade para com doentes aos enleios solidários às vítimas de despedimentos, o mundo seria infinitamente melhor.
A partilha das coisas simples, uma côdea de pão na forma de abraço, o cheiro do mar quando acorda pela manhã e deixa desnudas as rochas inebriadas de iodo, as palavras de Neruda, Ary ou Joaquim Pessoa – por onde andará o poeta? - os ideais a determinarem comportamentos e futuro, os nossos filhos, a sementeira da honra, dignidade e coerência, o respeito pelo legado dos mais velhos, pela diferença, o orgulho em ser-se melhor a cada dia, sem temer os erros inevitáveis.
E os amigos. Ah, os amigos, a sua presença, o calor retemperador da alegria que nos doam, sem nada em troca além do mútuo entendimento, do quinhão planetário do tempo da conversa, do gesto terno, da certeza de que suceda o que suceder poderemos contar com a sua solidariedade.
Toma, ofereço-te Joaquin Sabina ou Silvio Rodriguez, santo-e-senha para a baía da ternura e, ainda comovido pelas Memórias do Cárcere, prometo não me esquecer de te acompanhar aos Subterrâneos da Liberdade, aos Esteiros do imortal Soeiro ou à prosa luminosa, incandescente, de Ferreira de Castro.
Na volta podemos provar aguardente de medronho ou poncha, rir das patifarias que fizemos, percorrer todas as casa de portas abertas à fraternidade, galgar o Padrão dos Descobrimentos com o gps da nossa cumplicidade ou levar o Vasquinho à Caparica na sua cadeira de rodas, dunas e dunas vencidas pelo prazer da prisão debelada no imenso mar, tornado azul pelo seu olhar único, feliz.
Dia após dia, o tempo sobraria para o encontro das mãos. Unidos, fortaleza inquebrantável, porto de abrigo, o nosso olhar - o nosso mesmo, não o do plural majestático da soberba e do individualismo – seria a linha do infinito. Estás cansado? Lê Sepúlveda ou escuta em silêncio Ana Moura. Adormece com os cantares solidários dos camponeses do sul, nos seus trajes lindos, que ainda conservam gravada a ferros a tristeza pela destruição do sonho Reforma Agrária.
Se pudéssemos ir além desta espécie de aldeia gaulesa onde nos abrigamos, os que já hoje partilhamos tantas coisas boas, se pudéssemos ensinar a cada ser humano o Caminho das Aves.
Se pudéssemos…




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