" Simão espera-a junto à Torre, abrigado no seu guarda-chuva grande, acompanhando os movimentos das gaivotas, agora voltando-se, vendo-a, dirigindo-se-lhe em passo acelerado, quase a correr, a correr, no rosto um sorriso feliz. Pega-lhe nas mãos, segurando o guarda-chuva com o pescoço e o ombro: Ainda bem que vieste — murmura. Depois tira-lhe a sombrinha, devolve-lha fechada, ficam os dois sob o guarda-chuva, repete: Ainda bem que vieste."
"O Tempo das Giestas", de José Casanova
Pouca-roupa chega sempre sem se dar por ele. Senta-se à mesa do quiosque, como que a pedir desculpa por existir e sem forçar vai entabulando conversa com os presentes. Nos seus olhos cansados de operário especializado surpreendi, desde o primeiro dia, um oceano imenso de revolta e dor.
O meu amigo é um poço de cultura, que não exibe, mas doa, sem pretensiosismo, aos que com ele convivem. Em resultado, até a mais elementar conversa pode adquirir contornos fantásticos, com relatos de vida vivida e referência a livros e poemas – que resgata da memória – tudo servido com uma naturalidade desconcertante.
Ontem, senti que precisava de falar comigo. Mal nos afastámos, a dor incontida marejou-lhe o rosto vincado. Esteve casado 43 anos, dia após dia reforçando o amor que nutria pela companheira. Um dia combinaram ir almoçar fora: quando desceu as escadas, a esposa não o reconheceu. Palavras ininteligíveis, comportamento estranho e dali a meses – foram segundos, Pedro! - a notícia cruel foi-lhe gritada às sete da manhã por uma enfermeira cruel.
A amada morrera. O cancro, assassino maldito, depois de lhe levar um irmão, voltara, insatisfeito, para lhe negar o futuro. Num acesso de raiva, esmurrou paredes e móveis, indiferente aos filhos que dormiam.
Entretanto, passaram cinco anos. O meu amigo tornou a casar. Vendeu a casa e saiu da terra onde morava. Mas não entende, como me disse ontem a chorar, como pode o amor que nutria pela companheira aumentar a cada dia que passa.
As mãos da amada, o cheiro, o sorriso, a compreensão, a camaradagem, o afecto, os lábios, a partilha, o carinho, tudo continua presente. Fiquei sem palavras. Pode ser que O Tempo das Giestas, que prometi oferecer-lhe, possa, falando por mim, ajudar a minorar a dor que sente.
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