quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Em prol da memória

NOTA PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL


1. Como já é conhecido foi encerrada pelo Ministério Público a fase de inquérito do processo que ficou conhecido por processo «da Casa Pia».

O impacto público que causou e a expectativa que foi criada na população justificam que sejam prestados os presentes esclarecimentos públicos certo de que se trata de uma prerrogativa que o Código de Processo Penal, no seu artigo 86º, nº 9, al. b) atribui à autoridade judiciária. Na fase em questão ao Ministério Público.

2. Lembro que o mês de Novembro de 2002 foi assinalado pela revelação, na comunicação social, de comportamentos polarizados à volta da Casa Pia de Lisboa que surpreenderam a maior parte dos portugueses e os indignaram.

Disso mesmo fizeram eco várias personalidades, autoridades e órgãos de soberania, os quais publicamente apelaram às autoridades judiciárias, veementemente, para que levassem a cabo uma investigação com a máxima celeridade e empenhamento, até às últimas consequências.

3. Foram designados três magistrados do Ministério Público para se encarregarem do processo a tempo inteiro, magistrados que, aliás, há bastantes anos trabalham na secção do D.I.A.P. de Lisboa especializada no tipo de criminalidade em foco. Passaram a dispor excepcionalmente de uma equipa de elementos da Polícia Judiciária sob a sua directa orientação, para além, obviamente dos oficiais de justiça afectos à 2ª secção do D.IA.P..

Do trabalho altamente meritório desta equipa, iniciado então, resultou uma investigação que agora se mostra documentada em 13 mil folhas, distribuídas por 60 volumes, só do processo principal, ao que acrescem ainda 136 apensos.

Foram ouvidas em auto mais de 600 pessoas.

O Ministério Público respondeu a 37 motivações de recurso tendo ele mesmo interposto cinco.

4. A 11 de Julho de 2003, o Ministério Público requereu a marcação de declarações para memória futura de 32 testemunhas. O despacho do Juiz de Instrução Criminal, de 29 de Agosto, deferiria a realização de tal diligência com utilização da videoconferência. Sete arguidos interpuseram recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa e até à presente data nenhum desses recursos foi decidido.

Como é sabido, e porque os ditos recursos não suspenderam o início da diligência, quando a mesma acabava de se iniciar, foi deduzido o incidente de recusa do Juiz de Instrução. O qual deu sem efeito, consequentemente, as datas designadas para as declarações. O indeferimento da recusa de Juiz originaria ainda novos recursos.

Ora, ao requerer a tomada de declarações para memória futura das testemunhas referidas, há mais de cinco meses, e mais de meio ano antes do termo do prazo do inquérito, o Ministério Público fê-lo em tempo útil e ponderou a conciliação entre as necessidades das prisões preventivas decretadas e o respeito do prazo para se deduzir despacho final de encerramento do inquérito. No entanto, tempo necessário à dedução do despacho final num processo com esta dimensão;

A necessidade de aí se ter em conta o que resultasse das declarações para memória futura;

A eventualidade das diligências em questão se revelarem inúteis, caso os recursos interpostos da decisão de 29 de Agosto viessem a dar razão aos recorrentes;

Sobretudo, a necessidade de acautelar os interesses das testemunhas enquanto pessoas frágeis, o respeito pelo seu sofrimento e pela sua dignidade, tudo isso levou o Ministério Público a constatar que as condições para a realização das declarações deixaram de estar reunidas e por isso optou pelo encerramento do inquérito.

5. Ao longo deste processo foram sendo extraídas certidões para organização de processos autónomos em número de 14, que se reportam a factualidades não conexionadas directamente com a matéria aqui alvo de investigação. Prendem-se com os resultados de averiguações e sindicâncias à C.P.L, com outros abusos e maus tratos de menores, ofensas à integridade física e coacção, ou favorecimento pessoal. Para além, evidentemente, das certidões que se foram mandando extrair por violação do segredo de justiça.

No despacho final, ora lavrado, também se ordenou a extracção de certidões para organização de processos separados, ainda aqui por violações várias do segredo de justiça, do segredo profissional, pelos crimes de favorecimento pessoal, por ilícitos fiscais, lenocínio, tráfico de menores e abuso sexual de crianças, entre outros, os quais, ou não têm conexão com a matéria dos autos, ou reclamam uma investigação cuja morosidade se não compadece com os prazos que há que respeitar.

6. Durante toda a investigação foram relatadas ocorrências, foram feitas denúncias e foi desejado procedimento criminal contra pessoas concretas que não deram origem a qualquer procedimento. Os autos foram arquivados no que toca a tal factualidade, por razões que se prendem com o facto do prazo prescricional já ter expirado quando se tomou conhecimento de tais acontecimentos, ou por, no caso dos crimes semi-públicos, o direito de queixa não ter sido exercido em tempo útil e não ser possível em nome da vítima justificar um procedimento por iniciativa do Ministério Público.

A estes arquivamentos não é estranho o facto de os tipos de crime, as molduras penais e os prazos de prescrição serem diferentes a partir da reforma do Código Penal de 1995.

7. Foi deduzida acusação contra dez arguidos.

Os crimes imputados são de lenocínio (fomentar, favorecer ou facilitar o exercício de prostituição de menor), abuso sexual de crianças, abuso sexual de pessoa internada, violação, relações homossexuais com adolescentes, detenção de arma proibida e peculato de uso.

8. Inicia-se assim uma nova fase do processo aberta ao contraditório e em que os arguidos terão acesso incondicional aos autos.

Importa porém lembrar que de acordo com as leis que nos regem e que vinculam todas as pessoas, o segredo de justiça não terminou pelo facto de ter sido deduzida acusação.

Não é necessário lembrar os abusos cometidos, o autêntico descontrolo, a desinformação que ao longo do ano 2003 circulou, ocasionada por este processo. E tudo isso é para lamentar

De uma vez por todas importa assumir um comportamento civilizado a este respeito. A repressão penal será sempre um instrumento de que se lançará mão sempre que necessário, mas a maturidade cívica de todos obriga neste momento a um especial esforço de contenção.

Faço portanto um importante apelo para que os direitos individuais dos intervenientes no processo, e designadamente das vítimas, não sejam espezinhados na praça pública, para satisfação da curiosidade mórbida de uma parte da população, ou para se tentarem condenações ou absolvições populares, comprometendo qualquer realização da justiça onde ela, só pode ser realizada, ou seja, nos tribunais.

9. Os arguidos deste como dos outros processos crime serão sempre presumidos inocentes até trânsito em julgado da decisão que os possa condenar.

Mas porque a presunção de inocência não se confunde com a convicção de inocência, o Ministério Público procurará com empenho, obter a confirmação das imputações que ora faz. Como se impõe, obedecerá sempre a critérios de objectividade e agirá no escrupuloso respeito da legalidade

De uma coisa estamos todos cientes. Depois da revelação dos factos investigados será mais difícil, neste país, abusar de uma criança ou de um jovem. Só isso já seria bom, mas também almejamos a justiça, condicionada só pela verdade apurada.

Lisboa, 29 de Dezembro de 2003
Comunicado da PGR

5 comentários:

José António Borges da Rocha disse...

Viva Doutor Namora, como cidadão tenho o direito de saber a VERDADE do mega processo casa Pia que ao que é sabdio ficará para a história como o processo em que a Monatbha pariu um Rato.
Assisti atentamente a todos os debates sobre a matéria, tenho comigo alguns excertos televisionados em que o Doutor foi o protagonista, assim como a Dr.ª Catalina Pestana. Jamais esquecerei duas frases, uma de cada um (Pedro Namora e Catalina Pestana), sobre a matéria e que metralham na minha cabeça continuamente: a da Dr.ª Catalina "se um dia se souber a verdade sobre Casa Pia o país sofre um terramoto"; e a do Dr. quando disse, referindo-se à impunidade por prescrição dos Pedófilos, "se for no passeio com um filho/a meu e deparar com um Pedófilo o que faço: chamo a polícia ou mudo de passeio..."

Por tudo isto julgo que o que irá remanscer deste processo será uma verdade minguada e portanto o País não saberá TÃO CEDO toda a verdade...

No entanto concordo consigo quando diz que o julgamento teve já uma decisão cultural e cívica é a sensibilidade para a questão, ora mais plasmada...

Saudação e coragem

Alda disse...

Gostei de o ouvir, no programa da Júlia Pinheiro!
Continue sempre, com essa sua garra a defender as vitímas!
"vale a pena lutar" em defesa de quem tanto sofreu, e sofre...
Bem-Haja!

GR disse...

Acredito que a justiça será a favor das Vítimas.
Porém os arguidos, não serão punidos atrás das grades.
Os recursos levam outros, tantos anos.
O castigo será dado pela população, ficarão reduzidos ao que sempre foram, vermes.

GR

Sérgio Ribeiro disse...

Muito oportuna lembrança.
Um grande abraço

fotógrafa disse...

O que temo, Pedro Namora, é que no fim de tudo, os molestados sejam considerados culpados(já faltou mais para ouvir isso)...
Os que estão a ser julgados, ainda vão recorrer e pedir indmenizações ao estado, e se muito bem calhar ainda as vão receber, sendo que é dos nossos impostos, que serão pagos.
Mas o pior, nem é isso, o pior, é que essa cambada, fica por aí à solta e disposta a fazer novamente das suas...
O que mais desejava, é que se fizesse justiça, mesmo, e que a cambada de escroques que estão a ser julgados, pagassem, com os costados na prisão, para sentirem um pouco na pele, o que é abusar dos outros...pois só quando se passa por maus bocados, se sabe dar valor ao que se fez de mal...
mas pelos vistos esta nossa justiça(de brandos costumes?!?) ainda não será desta vez que dá uma lição de cidadania...
abraço