terça-feira, 15 de novembro de 2005

A consulta


Manhã, sol radioso. Uma brisa quente envolve-nos o corpo!
Entrou na sala de espera onde, dezenas de pessoas com caras aborrecidas e sonolentas, esperavam a consulta. Sentou-se! Um estranho sentimento de raiva, invadiu-a! Calmamente tirou o livro do saco. Abriu o livro, pouco importava em que página o fazia! Com um olhar distante, avistou longos corredores, enfermeiras sorridentes, médicos cumprimentando colegas, um rouco altifalante, trouxe-a novamente à leitura.
Atrás de si, uma mulher contava o seu infortúnio; “…sim, foi logo após ter tirado o peito… pobre, do meu marido! Não aguentou o desgosto e separou-se…” Pouco ou nada ouvira da história, mas irritara-a! Complacência em demasia, fere! Mulheres contrapunham a tese da senhora. Pouco importava! Abriu novamente o livro. Na única cadeira vaga, uma jovem grávida senta-se. Alta, tez morena, despreocupada e alegre. Uma futura mãe, muito jovem! “É só uma consulta de rotina. Consideram-me de risco, por causa da mama. Qual mama (rindo) essa há muito que me arrancaram! Mas agora estou grávida e tudo está bem. Eu estou feliz”!
Levantou-se. Estes apartes começavam a enervá-la! Tardava a nefasta consulta!
O altifalante quase imperceptível, balbuciou o seu nome. Entrou na sala da consulta de grupo.
Numa mesa redonda, muitos papéis. Cartas, radiografias. Reconhece-os, eram seus!
Cinco, talvez seis médicos calmos e sorridentes solicitam que se sente. Falam, gesticulam! Deixa de os ouvir! Sente que está a ser puxada para dentro da pequena cadeira! Não consegue ver a sala! O seu olhar percorre rapidamente o nada! O chão mexe! Não consegue destrinçar as vozes! O seu corpo está preso! Uma surdez impede-a de reflectir! Está confusa! A pressão sentida no interior da sua cabeça, é insuportável!
Levanta-se! Corre até ao táxi mais próximo! “Por favor vá, não pare, vá em frente” O taxista, segue a sua marcha, espreitando com um triste olhar, pelo retrovisor! Um choro compulsivo e silencioso, quase a sufoca! Chorou! Chorou de raiva, medo, desgosto, chorou por não ter ouvido o diagnóstico! Sem que nada tenha dito, o taxista ao fim de uma hora, deixa-a novamente à porta do Instituto! Esboça-lhe um sorriso, quase solidário!
Entra, lava a cara, decidida, bate levemente na porta da consulta de grupo!
Senta-se calmamente com um sorriso nos lábios, ouve o diagnóstico dos médicos!

O cancro mata, anualmente 1 500 mulheres em Portugal. Todos os anos surgem mais de 5000 novos casos de cancro da mama no nosso país. Mais de 90% são tratáveis quando o diagnóstico é feito atempadamente.


Guida Rodrigues

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