segunda-feira, 24 de maio de 2010

Deambulações


Escreveu-lhe uma carta à medida. Mas antes de chegar ao destinatário, objecto do seu amor e dedicação, publicitou-a na net. Afinal, o que seria do sentimento sem publicidade. Da vaidade sem o elogio. Da comiseração sem a palavra amiga.
Escreveu na carta o que lhe ordenava a consciência desavinda e a necessidade de ordenar a confusão. O pior não foi ele ter permanecido igual. Foi a descoberta da coerência que a feriu de morte. Podes agredir, violentar, ofender, mas fornecer o mais pequeno indício de alegada indiferença, nunca!
De forma que na carta armadilhou o caminho a percorrer: a vitimização perante amigos comuns, a enunciação dos atributos de madre Teresa de Calcutá em versão apaixonada e até condescendência no pagamento futuro das 150 moedas.
Há pessoas assim: se são más, não o assumem, se rancorosas não o aceitam, se vingativas negam de pronto. E continuam a existência cordata pejada de referências boas. Pois, pá, o gajo é uma malandro. Quero lá saber se ébrio se equivocou. A verdade é que sóbria interpretei.

Quando descobriu que onde julgara dois, só ele contava, que na ausência de partilha restava a exigência e a cobrança, sentiu-se vazio. Vagueou sem nexo pela cidade, contando os candeeiros na avenida paralela ao mar, o chilrear das gaivotas marcando a cadência dos passos inseguros, o cheiro a maresia como analgésico e a vontade de desaparecer, de desnascer, causticando-lhe o peito sem cessar.

E depois, o quê? Nem manual de bom comportamento, nem aceitação de condutas impostas. Na verdade, só se sentia livre entre iguais.

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