O processo Casa Pia mostrou-me com clareza mediana a dimensão do polvo que asfixia Portugal. Na comunicação social, por exemplo, bandidos sem escrúpulos, devidamente travestidos de jornalistas e fazedores de opinião, são pagos princepescamente para que o poder tentacular mesmo que tocado jamais possa ser questionado.
Por isso, a sucessão imparável de escândalos e crimes, cometidos sempre pelos mesmos, não tem correspondência na acção da Justiça, ela própria de joelhos ante os poderosos. O princípio da separação de poderes, que de forma tonitruante tantas vezes é invocado como elemento essencial do designado Estado de Direito, não passa de uma encenação macabra.
Observa-se o país e o que se vê assusta. O ps domina tudo: o Tribunal Constitucional, o Tribunal de Contas; a Polícia Judiciária; a Procuradoria-geral da República; o Banco de Portugal; as empresas públicas...
Juízes desempenham, frequentemente, funções executivas, na submissão de governos e governantes que jamais processão quando retornarem aos tribunais.
Perante o aumento e sofisticação da criminalidade, que hoje na sua expressão urbana mantém aprisionada a generalidade dos que aí residem, uns mariolas decidiram que o importante era transformar os códigos Penal e Processual Penal em meros manuais de boas maneiras e receituário de ineficácia perante o desvalor da acção criminosa.
Não tardará que as populações, a exemplo do que sucedia ainda no século XIX, decidam criar milícias para patrulhar os bairros e que a Justiça privada adquira novamente relevância. Nessa altura, meninos de coro, sobretudo os queques-rosa, clamarão pelos princípios constitucionais que a maldita populaça não respeita.
Eles não sabem - nem podem saber porque vivem rodeados de segurança nos seus luxuosos condomínios à prova de tudo - que a vida das pessoas simples é cada vez mais insuportável, de tão insegura.
É preciso romper com o políticamente correcto que nos faz apodrecer nas caves fétidas da sociedade enquanto os tiozinhos vivem como marajás. Os hospitais e as escolas públicas, estão cada vez mais iguais às suas congéneres do Terceiro-mundo. Não se pode sair à rua sem pagar uma verdadeira fortuna em portagens. Para se ter uma casa, é preciso gastar o que se não ganha em décadas de trabalho. A verdade é que se não vê o retorno da elevada carga fiscal a que estamos sujeitos e num toque de especial cinismo, martelam-nos constatemente com a necessidade de cumprirmos com um outro princípio iníquo: o do utilizador-pagador.
A Banca nunca ganhou tanto dinheiro, sobretudo gerando miséria em seu redor. A Constituição diz que cada português tem direito a uma habitação condigna, mas a CGD esmifra milhares de famílias com taxas de juro e spreads elevadíssimos.
Por que razão não protesta o povo com mais veemência? Desde logo porque meio século de fascismo inoculou no povo o medo de reagir, ensinou-lhe que o respeitinho é muito bonito, sobretudo ante doutores e engenheiros, mesmo que o respectivo curso tenha sido obtido na farinha amparo. Mas sobretudo porque as consciências de aluguer zelam para que nada mude. A máfia portuguesa não precisa de matar. Basta-lhe o disparo de um editorial oportuno, e a defesa do silenciamento das vozes alternativas.
Os mesmíssimos escribas e comentadores que no processo Casa Pia trataram de destruir a investigação, andam atarefados a fazer da face oculta uma coisa banal, montada por invejosos apenas para causticar o génio empreendedor dos que tudo podem.
O que fazer? Não há alternativa à luta. Bem sei que nem sempre se ganha. Mas como diz um querido amigo, quem não luta perde sempre. E só reforça a canalha que nos desgoverna.
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