quarta-feira, 4 de julho de 2007

Do Álvaro

Um problema de consciência

(…)
Num mundo em que não há risos sem lágrimas, a felicidade nunca pode ser uma situação com caracteres próprios e momentâneos. A felicidade não pode existir, não existe, como situação particular: nem quando depende de factos estranhos à própria vontade; nem como ideia abstracta. A felicidade só pode existir como um atributo de toda uma vida. Só a satisfação pela vida que se vive poderá tornar feliz.

Há então que não subordinar as acções ao alcance dum prazer. Mas antes amoldar a ideia de felicidade à vida que se vive.


Quando não nos sentimos meros joguetes da evolução mas, pelo contrário, sentimos que, mesmo ao de leve, as nossas energias modificam o seu ritmo. Quando sabemos ser leais, rectos e solidários. Quando amamos profunda e extensamente e nos sentimos capazes de sacrificadas demonstrações do nosso amor. Somos felizes porque não desejamos outra vida, porque sentimos preenchida a própria função humana. A felicidade só existe assim como condição da consciência da própria utilidade. Não dispersar actividades. Proceder com um critério. Ser coerente em todas as atitudes. Agir com uma só linha de conduta. Ter fé na própria vontade, embora aceitando as suas determinantes. Convicção de impotência e felicidade excluem-se.

Assim far-se-á da própria vida uma vida feliz. Feliz nas horas de ascenso e nas horas de derrota. Feliz na alegria e na tristeza. Porque, na felicidade, prazer e dor interpenetram-se. Até o estertor final pode conduzir à felicidade pela convicção de que se morre bem. Não pode haver felicidade sem dor, porque esta é inseparável da vida. Que se sofra! Mas que as vontades saibam amordaçar o sofrimento para triunfar. E, para isso, é necessário forjar nos peitos o desinteresse pessoal por prazeres efémeros, a rijeza do aço para lutar, o esclarecimento das exigências dos sentidos. Através da dor e da angústia, corações ao alto!

Se a felicidade é dada pela satisfação da linha de conduta, pela satisfação de que se procede bem, nada, nada, nem os gritos da própria carne esfacelada, nem lágrimas de emoção, nem a revolta instante e desesperada, podem destruí-la. Porque, acima dos próprios gritos, das próprias lágrimas, do próprio desespero, fica sempre a certeza duma vida voluntariosa e independente ou – se se preferir a expressão – recta, leal, digna.

Então suporta-se a dor e ama-se a vida. Podem as leis da Natureza esfrangalhar o corpo. Podem os órgãos começar cansando. E as pernas vergando de fadiga. Amortecendo-se a percepção. O corpo começar em vida o seu desagregamento. Poderá bailar ante os olhos a perspectiva da morte e o fim especar-se num amanhã irremissível.

E haverá sempre vontade de continuar procedendo sempre e sempre duma forma escolhida, marchando sempre para um destino humano e uma missão terrena voluntariosamente traçados. Haverá sempre anseio de continuidade e aperfeiçoamento.

Atravessar-se-ão tragédias com lágrimas nos olhos, um sorriso nos lábios e uma fé nos peitos.”


Álvaro Cunhal, Obras Escolhidas I, 1935-1947, edições Avante!

10 comentários:

GR disse...

«Que ninguém tenha vergonha de ser feliz. Além do mais porque a felicidade do ser humano é um dos objectivos da luta dos comunistas.»

in “O Partido com Paredes de Vidro” Álvaro Cunhal 1985

O conceito de felicidade do camarada Álvaro é para pessoas com uma formação política, moral e humana muito grande. De um amor pela vida ainda maior e sobretudo, de uma entrega total pelos outros que só poucos como o Álvaro a sentem.
Falta-me muito para atingir esse patamar!
Mas o que é a felicidade? A felicidade é muito relativa!
Talvez as necessidades actuais tenham tornado a felicidade um sentimento mais exigente, mais distante!
Momentos de felicidade, todos nós já sentimos, por muito pequenos ou simples que pareçam.
Há um momento muito curto em que eu me sinto feliz (chamem-lhe o que quiserem) é para mim, um misto de emoção e felicidade, sinto a felicidade só minha! Porém, é de todos nós! Sigo os olhares, os sorrisos felizes são momentos únicos, de felicidade. Talvez demonstre egoísmo, mas naquele momento tão curto, sou e estou feliz!
“O hastear da bandeira, ao som do Avante!” (abertura da Festa do Avante)
Será isto?
“A felicidade só existe assim como condição da consciência da própria utilidade”.

Pedro,
Tema difícil. Quando li o livro (não fiz nenhuma reflexão sobre este tema), parece tão simples!!!
Já agora gostava que fizesses uma consideração sobre o texto!

GR

Maria disse...

"Atravessar-se-ão tragédias com lágrimas nos olhos, um sorriso nos lábios e uma fé nos peitos"

É esta a minha bandeira para a conquista da felicidade... dos momentos felizes que fazem parte da vida, se quiserem....
... porque felicidade na plenitude da palavra, com o Mundo que temos, é difícil afirmá-la, se formos conscientes...

Abraço, Pedro

Maria disse...

Um abraço para ti, Pedro.
Fez-se Justiça!

GR disse...

Pedro,
Fez-se justiça (novamente).
A justiça, as Vítimas, tu e todos aqueles que lutaram pela verdade estão de parabéns.

E porque hoje muitos de nós fomos para Guimarães por uma outra luta, nem todos tiveram oportunidade de ver na tv a pequena reportagem feita, à saída do tribunal, após a leitura da tua absolvição. Pela sua importância permite-me que ponha aqui o vídeo.

Um bj sempre solidário,

GR

«Almada
Pedro Namora absolvido de processo por difamação movido por ex-provedor da Casa Pia. O ex-aluno da Casa Pia Pedro Namora foi hoje absolvido de duas acusações de difamação movidas pelo ex-provedor da instituição Luís Rebelo devido a declarações proferidas sobre o caso num programa de televisão.»
Jornal “SOL”

http://videos.sapo.pt/ugsiZz776GIwWlZKhnPt

Clara Sottomayor disse...

Estou muito feliz com a absolvição do Pedro. Fez-se Justiça!
A liberdade de expressão é especialmente importante para defender aqueles que não têm voz na sociedade, como o caso das crianças sexualmente abusadas, silenciadas durante séculos!
Clara Sottomayor

Mar Arável disse...

FOMOS CONTIGO TODOS ABSOLVIDOS

PARA CONTINUAR TAMBEM CONTIGO

ABRAÇO AMIGO

FastPeter disse...

Não conhecia o Blog, mas só por este texto, valeu apena conhecer.

Parabéns pela absolvição.

Victor Nogueira disse...

Então, Pedro !
Uma ausência tão longa?
Um abraço, apesar do teu silêncio.
Victor Manuel

Victor Nogueira disse...

Viva
Eu acho que já aqui tinha sido publicado um comentário meu. Mas ou estou velhote e esquecido, ou ele desapareceu mesmo.
Saudações
VM

Anónimo disse...

Seu comuna de merda, os teus camaradas do PCP também perseguem nacionalistas, por isso metam a vossa "liberdade" no cú.

http://prisoesdeabril.blogspot.com