domingo, 7 de dezembro de 2008

Temos todos muito orgulho em vós, Manel


"CHOREI COMO UMA MULHER…

O Manel é um jovem que nasceu do lado errado da vida. Tem os olhos muito verdes e um ar de menino, que disfarça com uma linguagem agreste, quase a atingir o intolerável.

Intolerável como a forma como nasceu e cresceu.

O espermatozóide que fecundou o óvulo da sua mãe, jovem, bonita e sonhadora, pertencia a um polícia corrupto, que a foi tornando dependente de drogas para posteriormente a utilizar como dealer junto das redes que controlava. Há já um quarto de século. “Pode enganar-se algumas pessoas durante algum tempo, mas não se podem enganar todas as pessoas durante todo o tempo”, disse alguém cujo nome não recordo. O esquema de corrupção foi descoberto e o seu autor suicidou-se.

Ela, repudiada por uma família conservadora, “agarrada” à sua dependência, arrastava-se pelas tabernas de Lisboa sempre que podia levando o Manel.

Até ontem, esse tinha sido, apesar de tudo, e segundo ele, o tempo mais feliz da sua vida. Os donos das tascas davam-lhe comida, amendoins e tremoços e deixavam-no dormir nos bancos compridos, enquanto a mãe ia trabalhar. Nesse tempo ela voltava sempre, depois do trabalho e levava-o para casa. A mãe gostava muito dele e ele adorava-a.

Mas como sempre havia pessoas sensatas, e aquele estilo de vida não era próprio para um rapaz a chegar à idade escolar. A ama, figura positiva nas suas memórias, movimentou empenhos para que ele tivesse um futuro diferente.

Entrou numa Instituição, onde estudaria e se faria um homem.

A beleza, que arrastara a mãe para a vida que a sociedade não queria para ele, foi a sua perdição. Uma história de abusos igual a tantas outras.

Cresceu com a maior revolta que já me foi manifestada. Vi-o chorar de impotência e ódio.

Ontem, gritava ao telefone para o homem grande que encontrou tarde de mais na vida e que, não disfarça, gostaria que tivesse sido o seu pai: “Já nasceu, correu tudo bem, é um rapaz, assisti ao parto, chorei como uma mulher...”

Manel deita fora a tua raiva, com as primeiras fraldas usadas do teu filho. Vinga-te, ajudando-o a crescer com a segurança que um pai de verdade dá a qualquer filho; não se pode escolher o pai que se teve, mas pode escolher-se o pai que podemos ser. Se puderes ama a mãe dele como a amaste no dia em que o conceberam.

Chora mais vezes como as mulheres, porque só os homens “bué da estúpidos” é que não sabem como chorar liberta a dor, os sentimentos ruins, e exprime as alegrias para as quais não temos palavras. Quando, durante a noite, o vosso filho chorar, canta-lhe baixinho “o meu menino é d’oiro, é d’oiro o meu menino”. Com ele e por ele terás a coragem de perdoar, um dia."
Catalina Pestana, artigo publicado no semanário SOL

9 comentários:

Maria disse...

Fiquei arrepiada...

Um abraço

GR disse...

Só quem verdadeiramente conhece e sente, tem a sensibilidade de contar esta dura realidade, de uma forma tão bela que comove.

GR

fotógrafa disse...

Pedro, eu também chorei ao ler este seu post...limpou-me a alma, ler estas palavras de Catalina Pestana, essa mulher, que sendo pequena em altura, e enorme em alma e coragem!!!
obrigada
abraço

José António Borges da Rocha disse...

Esta Dr.º CP, Grnade Mulher, ìnigne Cidadã, ensinou-me muito: coragem, frontalidade, abnegação e enacidade perante as causas em que acredita.

Portugal está-lhe grato.

O Futuro prestar-lhe-á as honras que Ela merece...

Obrigado CP

Almerinda disse...

Esta história é tão triste e comovente que fico sem palavras!

Mas já o mesmo não me acontece quando falo de Catalina Pestana, minha amiga, e MULHER de grande coragem e frontalidade.

Na Casa Pia não gostam dela (os funcionários) e percebe-se porquê: ELA NÃO TEM MEDO E DIZ TUDO O QUE PODE DAQUILO QUE TANTO SABE!

Obrigada Pedro por pores este post!
e também pela tua CORAGEM!

Abraços

Bedina

Anónimo disse...

e que tal escrever um post sobre o que se está a passar no processo casa pia?eu ouço.....ouço, mas não entendo nada! E como o vejo por lá a acompanhar o processo será que dava para relatar o que se passa?Agradecida.


Inconformada

José António Borges da Rocha disse...

A Incorfomada teve uma ideia brilhante: PORQUE NÃO DEITAR CÁ PARA FORA TUDO O QUE SE SABE SOBRE A CASA PIA.

Quem tem informação relevante e não a quiser postar pois que use o anonimato ou remeta a informação para outros que estejam disponíveis para o fazer: EU ESTOU.

Portugal deveria saber TODA a verdade sobre a Casa Pia, ainda que fosse vitima de um Terramoto, venha ele, dos escombros erguer-se-ia um País mais justo e mais reconciliado com a Verdade e com a História

Anónimo disse...

Gostei muito do post!
Gostei muito do que por aqui vi e li!
Tasse aqui muito bem!!!
Abraços da Lagartinha de Alhos Vedros

Carla D'elvas disse...

As palavras gritam.
... E as lágrimas, abrem caminho.

Beijo meu